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O paralelo entre a história da humanidade e a história das epidemias

O segundo dia do Seminário Comemorativo de 30 anos do curso de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC contou com a presença de Stefan Cunha Ujvari, escritor e médico infectologista. Em sua palestra, o pesquisador iniciou o tema “A História do Brasil contada pelos parasitos” traçando um paralelo entre a história da humanidade e a história das epidemias. Há cerca de 100 mil anos o Homo sapiens sapiens deixou a África para colonizar o planeta. “Nossa rota migratória pode ser contada pelo DNA do Helicobacter pylori e do papilomavírus humano [HPV]. Carregamos estes agentes infecciosos em nossos corpos e os transferimos aos nossos descendentes. Os presentes no povo nativo americano são originários daqueles povos encontrados do leste asiático. Estes últimos e os da Oceania se originaram dos presentes no Oriente Médio, que, por sua vez, juntamente com os europeus, evoluíram dos africanos. A rota percorrida por estes agentes é a mesma do homem moderno ao sair da África”, relatou.

Gutemberg Brito

 

Pesquisador abordou os curiosos caminhos que doenças como a varíola e a hanseníase percorreram para chegar até o Brasil

A presença de parasitos em fezes fossilizadas de indígenas revela a rota de entrada dos primeiros americanos. Foram encontrados fósseis de parasitos que dependem de solo quente e úmido para eclosão das larvas. Condição climática impossível caso a rota de entrada fosse exclusiva pelo estreito de Bering formado pelas Eras Glaciais. “A conclusão é que viemos também por embarcações litorâneas”, afirma Stefan.

Sabe-se que os primeiros americanos se infectaram com a doença de Chagas. O DNA do T. cruzi mostra parentesco com o do tripanossomo, causador da doença do sono africana. Ambos se originaram de um parasito ancestral que viveu na época em que os continentes estavam unidos. No processo de separação dos continentes, este ancestral sofreu mutações em cada lado do Atlântico para originar as duas doenças.

Genética

A comparação de materiais genéticos tem permitido a descoberta da origem de doenças recentes. A origem da Aids está em vírus presentes nos chimpanzés do Gabão, Camarões e Congo. Macacos do sudeste asiático albergam vírus semelhantes ao da dengue. Estima-se que a invasão humana nestas matas originou a dengue há cerca de mil anos. Todas essas histórias estão registradas no DNA e RNA de bactérias, vírus e parasitos. A ciência está descobrindo  meios de ler este livro oculto no material genético dos microrganismos.

Estudos genéticos mostram a presença de vírus semelhantes em humanos e animais. “A domesticação dos animais nos trouxe vírus que, após uma série de mutações, originaram doenças humanas. O vírus da varíola originou-se de vírus do camelo ou de roedores que habitavam as imediações das primeiras vilas. Os vírus do sarampo vieram do vírus da peste bovina”, elencou o escritor.

No Brasil, os vírus chegaram pelo litoral, onde a população tinha contato com portugueses, franceses e ingleses. A hipótese de que os jesuítas trouxeram as doenças infecciosas não procede, afirmou o especialista. Porém, as grandes aglomerações em decorrência da catequese influenciaram o alastramento das epidemias. Registros mostram que em 1700 os portugueses chegaram a deixar peças de roupas e cobertores infectados com o vírus da varíola para trás com o intuito de exterminar a população indígena no litoral do Nordeste. Segundo Stefan, era a primeira guerra biológica no país. Já a hanseníase teve o seu DNA mais antigo encontrado na região da Índia, Chipre e África. A época das Cruzadas levou a peste para o continente europeu. A chegada da enfermidade no Brasil aconteceu com a vinda dos europeus. O tráfico de escravos trouxe ao Brasil mais doenças, como febre amarela, malária e esquistossomose.

Cemitérios e o Castigo de Deus

Segundo Stefan, a febre amarela surgiu provavelmente nas Antilhas, onde os mosquitos transmissores da doença entraram em contato com o homem. Em 1647, um navio negreiro trouxe a febre amarela ao continente americano. O tráfico de escravos e o próprio trânsito de pessoas espalharam a moléstia. Em 1800, Napoleão ocupou o Haiti e 23 mil de seus 30 mil soldados morreram. No verão de 1850, a doença voltou ao Brasil em um navio repleto de pessoas infectadas, matando mais de 10 mil no Rio de Janeiro. Entre 1895 e 1897, a enfermidade foi a que mais matou no país. O escritor contou que, mais resistentes à doença, os negros das Antilhas conquistaram a independência graças à febre amarela. Isso porque a enfermidade só acometeu a população branca europeia, que associou a epidemia a um castigo de Deus. Três anos mais tarde, em Cuba, o americano William Gorgas descobriu o transmissor da febre amarela e criou a vacina. No Brasil, Emilio Ribas e, depois, Oswaldo Cruz, com sua campanha de vacinação, controlaram o mal.

O berço da cólera é Bangladesh, um país no sul da Ásia. No século 19, com as embarcações a vapor, o alargamento do canal de Suez e a expansão da malha ferroviária, a cólera chega à Europa e ao Brasil. Devido ao medo da população brasileira dos miasmas da doença se espalhar pelo ar, a saída foi trazer a novidade europeia dos enterros em cemitérios para cá. Antes, as pessoas eram enterradas nas igrejas, o que já não trazia tanta segurança devido à fragilidade das suas vedações.

Úrsula Neves

13/12/2010

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