XI Simpósio Brasileiro de Cronobiologia promoveu conferências e mesas-redondas com 14 especialistas da área nos dias 10 e 11 de dezembro
Há quase 300 anos, o geofísico e astrônomo francês Jean-Jacques d’Ortous de Mairan levou ao porão de sua casa alguns arbustos da espécie Mimosa pudica, conhecida popularmente como dormideira. Para sua surpresa, a planta – conhecida por se abrir durante o período claro do dia e se fechar à noite – repetiu o mecanismo mesmo na ausência da luz solar. Seria a primeira vez em que um cientista atentaria para a existência de um ritmo biológico nos seres vivos, independente dos estímulos externos.
Gutemberg Brito |
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A 11ª edição do evento reuniu 100 pessoas para conferências, workshops e mesas-redondas promovidas por especialistas da área |
Foi com esta história que o pesquisador Luiz Menna-Barreto inaugurou o ciclo de conferências, workshop e mesas-redondas da 11ª edição do Simpósio Brasileiro de Cronobiologia. Realizado nos dias 10 e 11 de dezembro, o evento reuniu 100 pessoas e foi organizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz).
Menna-Barreto atua na Universidade de São Paulo (USP) e foi um dos 14 especialistas convidados para discutir sobre projetos e resultados de pesquisas. Em “Os paradigmas da cronobiologia”, ele lembrou que a área é recente. Instituída nos anos 60, a cronobiologia ganhou projeção a partir da década de 80 com os avanços da biologia molecular, que permitiram a identificação dos primeiros elementos envolvidos nos mecanismos de oscilação endógena. De acordo com o pesquisador, é uma ciência que dialoga com fisiologia, biologia e psicologia e sua transversalidade ainda não lhe permitiu ser enquadrada por uma disciplina nas universidades. “Melhor assim. Vejo as disciplinas como feudos intelectuais, e os departamentos como entraves ao conhecimento. Eles determinam quem é a autoridade e segmentam a pesquisa, o que engessa, principalmente, as áreas da Ciência que exigem um saber contextualizado”, defendeu.
Conhecimento engessado
De acordo com o especialista, a própria estrutura segmentada da Academia, hoje, 'esteriliza' debates. E o resultado é uma comunidade científica alienada e em crise. “Frequentemente, a cronobiologia coloca em xeque os princípios da homeostasia, que é a capacidade do organismo de se manter internamente estável sob condições externas variadas. Isso ocorre porque, para nós, estudar o organismo separado do ambiente no qual ele está inserido é mutilar o conhecimento. Mas a Ciência não é um castelo onde cada um coloca o seu tijolinho. Ela é construída a partir da tensão gerada por diferentes olhares”, explicou.
Lucia Rotenberg, pesquisadora do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do IOC e uma das organizadoras do evento, ressaltou que as sociedades científicas não são as únicas em crise. De acordo com Lucia, o nosso ‘universo social’ está entrando em colapso, uma vez que o dia está deixando de ter 24 horas. “As tecnologias da comunicação acabaram com os limites de espaço-tempo. Hoje se trabalha em vários ambientes e em qualquer hora sem precisar sair do lugar”, alertou. A especialista frisou que há limites para a capacidade de adaptação do ser humano, e que a cronobiologia desempenha papel fundamental na busca por essas respostas. Menna-Barreto concordou. “Do ponto de vista da união dos povos e das culturas, a globalização é extremamente rica. Mas ela está ligada ao movimento da lucratividade, que atropela as necessidades do homem”, falou.
Gutemberg Brito |
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De acordo com Menna-Barreto, a cronobiologia exige o diálogo com variadas áreas do conhecimento |
Sono e humor
Intitulada ‘Cronobiologia Humana: comportamento e intervenções’, a primeira mesa-redonda do evento contou com a participação dos pesquisadores Carolina Azevedo e John Fontenelle Araujo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Cláudia Moreno e Mario Pedrazzoli, da USP; e Maria Paz Hidalgo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No rol dos temas debatidos, o ciclo sono-vigília de adolescentes em período escolar, a influência da genética e dos ritmos circadianos sobre o humor e transtornos mentais, e a influência da eletricidade sobre a fase do sono de seringueiros da Amazônia.
Carolina Azevedo apresentou os resultados de um programa educacional desenvolvido entre alunos do Ensino Médio e de Pré-Vestibular no Rio Grande do Norte. Todos apresentavam as mesmas queixas: sonolência diurna, dificuldades de concentração e redução do desempenho escolar. Este fenômeno é provocado por um atraso na temporização circadiana, ou seja, no horário de dormir, decorrente de fatores biológicos e sociais. “O aumento da socialização nesta fase, a navegação na internet e a exposição à luz de aparelhos eletrônicos durante a noite são conhecidos por restringirem as horas de sono durante a semana e estenderem as dos fins de semana”, explicou.
O programa educacional promovido ao ar livre por cinco dias promoveu mudanças na rotina dos estudantes, como a redução dos cochilos à tarde. Mas, de acordo com Carolina, os entrevistados não notaram melhora na qualidade do sono. “Vimos que só o conhecimento e a informação não são suficientes. É preciso envolver o professor, os familiares e os amigos”, disse a especialista, citando o caso de estudantes que tentavam ir para a cama cedo enquanto parentes permaneciam em atividade. “Além disso, a motivação é fundamental. Os vestibulandos promoveram mudanças mais significativas em sua rotina porque valorizam a melhora no rendimento escolar e na qualidade de vida”, disse.
Já Cláudia Moreno apresentou um estudo que vem sendo realizado com 257 seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes, na região amazônica do Acre. O objetivo é averiguar se os trabalhadores sem energia elétrica em casa antecipam a hora do sono durante a semana de trabalho, comprovando, desta forma, que a exposição à luz artificial durante a noite atrasa a temporização circadiana. De acordo com Cláudia, resultados preliminares dão conta de que os trabalhadores que não possuem eletricidade vão para a cama cerca de 40 minutos antes, às 20h18. “A luz artificial não altera só o horário em que o trabalhador vai dormir, como, também, a duração do sono”, disse a pesquisadora.
Ritmicidade
Já na segunda mesa redonda, intitulada “Cronobiologia, Neurociências e Comportamento Animal”, pesquisadores debateram os padrões de atividade de insetos e mamíferos nos ciclos circadiano (24 horas), infradiano (superior a 28 horas) e ultradiano (abaixo de 20 horas). A produção da melatonina, hormônio do sono, sob variadas circunstâncias e a implicação de outros genes nos ritmos biológicos também foram temas na mesa-redonda que reuniu Gisele Akemi Oda, Mirian Marques e José Cipolla Neto, da USP, e o pesquisador e chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Alexandre Peixoto.
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Cronobiologia aplicada a mamíferos e insetos como abelhas e vetores de doenças foi o tema da segunda mesa-redonda |
Mirian Marques apresentou o estudo sobre a ritmicidade de abelhas sem ferrão, que vem sendo desenvolvido por quase 15 anos. De acordo com a pesquisadora, as colônias são super organismos onde os integrantes são regidos por ritmos circadianos e ultradianos que se mantêm estáveis entre si. A casta das abelhas operárias, por exemplo, apresenta uma organização espacial-temporal. Na medida em que vão amadurecendo, elas mudam de função, o que implica em um deslocamento dentro da própria colmeia. As mais jovens constroem células de cria, localizadas no ninho e com ausência de luz. Em seguida, passam a remover o lixo, se deslocando até a periferia. A última função, assumida pelas mais maduras é a de forrageira – ou seja – a abelha sai da colmeia para buscar alimento.
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Mirian Marques, da USP, apresentou os diferentes aspectos cronobiológicos em cada casta de abelhas sem ferrão |
Mirian reforça que todos os indivíduos da colônia pertencem à mesma espécie e têm genoma praticamente iguais, no entanto, as diferenças comportamentais e cronobiológicas entre uma operária e uma rainha são extremas. “Assim que nasce, a rainha sai da colmeia e tem contato com a luz, mas retorna ao ninho e lá fica até o fim da vida. Já a operária passa a vida inteira dentro da colmeia, quase sem contato com a luz do sol. Mas quando está madura e se torna forrageira, tem um ‘relógio’ perfeito que lhe permite lidar com a claridade, conseguir achar fontes de alimentos, avisar as outras e encontrar o caminho de volta”, disse Mirian.
O XI Simpósio Brasileiro de Cronobiologia contou também com a participação dos pesquisadores Bruno Silva, da UFRN, Leana Araujo e Mario Miguel, da USP, e Taisa Adamowicz , da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que debateram sobre “Uso de cortisol, sensor de temperatura cutânea e actimetria em cronobiologia humana: prós e contras”.
14/12/2012
Isadora Marinho
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