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Mulheres no IOC e na Ciência

Artigo de opinião assinado pela diretora e vice-diretoras do IOC, Tania Araújo-Jorge, Helene Barbosa, Mariza Morgado e Elizabeth Rangel

Especial: Abertura do Ano Acadêmico 2013

Hoje, pela primeira vez nos oito anos em que estamos à frente da Direção do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), temos a chance de ter em uma sexta feira, esse dia em que fazemos nossa sessão semanal do Centro de Estudos, a oportunidade de abrir nosso ano letivo e fazer nosso rito de conclusão de cursos do ano anterior. Tudo isso exatamente no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

No dia 8 de março de 1857, em uma fábrica têxtil de Nova York, 129 mulheres operárias tecelãs cruzaram os braços e, pela primeira vez no mundo, entraram em greve. Protestavam contra a pesada jornada de trabalho - que chegava a 16 horas por dia - e contra os péssimos salários que recebiam, muito inferiores aos dos homens. Como elas se recusaram a deixar a fábrica, os patrões as trancaram e incendiaram o local. Todas morreram queimadas. Para lembrar esse fato, foi proposto pelo I Congresso Internacional da Mulher, realizado na Dinamarca em 1910, o dia 8 de março como data representativa na luta contra a violência à mulher.

Em 1977, a ONU referendou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. E também definiu a 'igualdade entre sexos e a valorização da mulher' como um dos oito objetivos de desenvolvimento do milênio estabelecidos em 2001. Segundo o Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2012, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, nem a Islândia, a Finlândia, a Noruega ou a Suécia, que ocupam os primeiros lugares dentre as 135 nações do ranking da igualdade de gênero, atingiram esta meta. Ficaram com um índice de igualdade em torno de 85%. A Nova Zelândia, primeiro país do mundo a conceder o direito do voto às mulheres, em 1893, ocupa a 5ª colocação com um índice de igualdade de 78,1%. O relatório em 2010 mostrava o Brasil na posição 85, avançando em 2011 para a posição 82 e em 2012 para a posição 62. Mas ainda ficamos atrás de Argentina, Bolívia e do Equador.

O ranking é realizado com base em uma pontuação que os países recebem para cada critério. As pontuações vão de zero a um, em que zero é o máximo de desigualdade e um, completa igualdade, e são usadas para formar o índice geral. No caso do Brasil, a subida no ranking foi resultado das melhorias na educação primária e também no percentual de mulheres em cargos ministeriais, que passou de 7% para 27%. A pontuação geral do País subiu ainda com uma mulher à frente da Presidência da República: Dilma Rousseff. No relatório de 2012, nos quesitos de acesso à educação e à saúde, o Brasil subiu para o primeiro lugar na lista. Nos rankings de participação econômica e política, o Brasil ocupa, respectivamente, o 73º e o 72º lugares. No entanto, na análise da igualdade salarial, um dos critérios para analisar a igualdade de participação econômica, o País ocupa a 120ª posição.

É uma feliz coincidência que nesse ano de 2013 possamos iniciar a abertura dessa sessão falando um pouco sobre a condição da mulher, da mulher cientista, e da primeira mulher a entrar nesta honrosa galeria de diretores - galeria esta que, a partir do dia 25 de maio, data em que concluiremos nossa gestão, passará a ter também mulheres retratadas em posição de poder.

Claro que trazer o tema das mulheres em seu dia internacional, das mulheres no trabalho, na sociedade, na ciência ou na saúde, nos implica em trazer o tema das mulheres no próprio IOC. Afinal, a diretora geral é mulher; somos 4 dentre os 5 diretores. São mulheres 47 dos 71 chefes de laboratório, 16 dos 20 chefes de Serviços e Departamentos de apoio, 18 dentre os 29 chefes de Serviços de Referência e 13 dentre os 19 curadores das coleções científicas do IOC. São mulheres as coordenadoras desse Centro de Estudos, tanto atualmente quanto há décadas. Clarissa Maia e Cláudia Levy recebem nossos agradecimentos especiais pelo enorme esforço de organizar semanalmente essas sessões científicas. Portanto, acho que poderíamos dizer que este é um Instituto muito feminino, e que estamos em franca promoção da equidade de gênero no IOC. 

Vamos iniciar com o ponto de vista quantitativo: quantas somos?
O nosso atual Sistema de registro (COLETA IOC) registra nessa semana:

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Ou seja, por qualquer parâmetro que tenhamos buscado, as mulheres no IOC são muitas - são maioria. Isso conta bastante para a atual expressão interna e externa do IOC como uma Unidade Cooperativa, inclusiva, generosa e sensível. Ser um Instituto de Pesquisa com tantas mulheres faz a diferença. 

Mas quisemos também olhar um pouco para a nossa história e buscar histórias de mulheres que marcaram o IOC antes dessa nossa geração.

Claro que a primeira a ser lembrada foi Bertha Lutz, filha do cientista alemão Adolfo Lutz e da enfermeira inglesa Amy Fowler. Apesar de ter estudado na Europa, Bertha era bem brasileira, nascida em São Paulo, em 1894. A foto de Bertha trabalhando com seu pai na sala em que hoje funciona a diretoria do IOC, nos inspira todos os dias.

Bertha Lutz, que dá nome à creche da Fiocruz por onde muitos de nossos filhos e filhas passaram, passam ou ainda passarão, foi responsável por conquistas que trouxeram ganhos para todas as mulheres do Brasil. Ela é considerada profissional exemplar por conta das descobertas de várias espécies na zoologia. Bertha se formou em Biologia na Sorbonne e voltou ao Brasil em 1918, ingressando por concurso público como bióloga no Museu Nacional.  Em 1919 ela se tornou secretária do Museu Nacional do Rio de Janeiro e foi a segunda mulher a ingressar no serviço público brasileiro. Esse fato teve grande repercussão, pois, na época, o acesso ao funcionalismo público ainda era vedado às mulheres. Mais tarde, Bertha se tornou naturalista na seção de botânica do Museu.

Porém, mais do que cientista, Bertha foi pioneira nas lutas feministas. No mesmo ano em que se tornou mulher funcionária pública, em 1919, Bertha representou o Brasil no Conselho Feminino Internacional, órgão da Organização Internacional do Trabalho onde foram aprovados os princípios de salário igual para ambos os sexos. No mesmo ano, Bertha participou da criação da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Não sei se vocês sabem, mas, no Brasil, somente em 1879, com a “Reforma Leôncio de Carvalho”, estabeleceu-se o ensino para todas as crianças e passou a ser permitido o ingresso de mulheres em instituições de ensino superior.

Só em 1881, cerca de 40 anos antes das atividades de Bertha Lutz, houve o 1º decreto que autorizava as mulheres a se matricular em um curso superior. Em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, Bertha representou o Brasil como delegada da I Conferência Pan-Americana de Mulheres. Na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, Berta foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana.

De volta ao Brasil, criou a Federação para o Progresso Feminino, iniciando, em 1920, a luta das mulheres brasileiras pelo direito ao voto, que só seria conquistado em 1932, quando o decreto-lei do presidente Getúlio Vargas definiu o novo Código Eleitoral. Dois anos depois, a Constituição de 1934 também garantiu às mulheres a igualdade de direitos políticos e, com isso, pudemos nos candidatar também. Pela Federação Brasileira para o Progresso Feminino, Bertha participou do comitê elaborador da Constituição de 34, junto com Nathercia Silveira, que representava a Aliança Nacional de Mulheres.

Arquivo IOC

Bertha Lutz, que dá nome à creche da Fiocruz, é considerada profissional exemplar por conta das descobertas de várias espécies na zoologia

Essa atividade da nossa colega Bertha Lutz é interessante, pois depois de toda uma carreira como zoóloga, ela se graduou advogada em 1933 para poder participar plenamente na vida política. Nas eleições parlamentares de 1935, Bertha se candidatou pela Liga Eleitoral Independente e ficou na primeira suplência, assumindo a cadeira de deputada na Câmara Federal em 1936, quando o titular Cândido Pereira faleceu. Como deputada federal, Bertha defendeu mudanças na legislação referentes ao trabalho da mulher e do menor, à isenção do serviço militar, à licença de três meses para a gestante e à redução da jornada de trabalho, que era de 13 horas por dia. Mas sua atividade parlamentar durou pouco, pois no ano seguinte, em 1937, Vargas fechou as casas legislativas, decretando o Estado Novo.

Em 1951, Bertha foi premiada com o título de ‘Mulher das Américas’. Sua atividade parlamentar foi reduzida pelo golpe do Estado Novo, mas Bertha continuou no serviço público até se aposentar como chefe do setor de Botânica do Museu Nacional, em 1964. Anos depois, já doente, em 1975, no Ano Internacional da Mulher estabelecido pela ONU, Bertha integrou a delegação que representou o Brasil no primeiro Congresso Internacional da Mulher, realizado na capital do México, uma das suas últimas participações públicas em defesa dos direitos femininos. Ela faleceu no Rio de Janeiro, em setembro de 1976, e ficou conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, sendo justamente homenageada pelo Senado Federal, que criou o prêmio Bertha Lutz para homenagear brasileiras que contribuem para a defesa dos direitos da mulher. Portanto, uma mulher cientista e ativista política que nos dá um ótimo exemplo.

Nós encontramos esses dados no trabalho de Schumaher e colaboradores, do ano 2000. Nesse mesmo trabalho, aprendemos que as três primeiras mulheres a se formarem médicas no Brasil foram Amélia Pedroso Benebien, Rita Lobato Lopes e Antonia Dias, corajosas, pois tiveram um papel decisivo na desmistificação de que os espaços universitários deveriam ser vedados à presença feminina. 

No trabalho de Schumaher e colaboradores também aprendemos que além das primeiras médicas, as primeiras engenheiras no Brasil tiveram um percurso expressivo. Um exemplo é o de Carmen Portinho, que no último ano do curso de engenharia começou a dar aulas no Colégio Dom Pedro II, escandalizando a sociedade, afinal, era uma mulher lecionando em um colégio masculino. Até o ministro da Justiça tentou interferir, mas, mesmo assim, ela ingressou em 1926 no quadro de engenheiros da Diretoria de Obras e Viação da prefeitura do então Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Em 1930, fez o primeiro curso de urbanismo do país, recebeu uma bolsa do Conselho Britânico para estagiar na Inglaterra, nas comissões de reconstrução e remodelação das cidades destruídas pela guerra. De volta ao Brasil, foi responsável pela introdução do conceito de habitação popular. Em 1962, pediu a aposentadoria do serviço público e, em 1966, criou a Escola Superior de Desenho Industrial, a qual dirigiu durante 20 anos.

Olhando para a história de todas essas mulheres, esses autores se perguntaram: como seria a ciência se houvesse igualdade de acesso ao conhecimento tanto para os homens quanto para as mulheres? Uma fala de Maria Mitchell, a primeira astrônoma dos Estados Unidos, foi citada no trabalho de Sartori, em 2006. Ela disse: 'Na minha juventude, eu achava que as mulheres precisavam das ciências exatas, mas, hoje, eu acho que são as ciências exatas que precisam das mulheres'. Esses autores mudaram a pergunta que faziam: deixaram de se perguntar 'Porque tão poucas mulheres foram grandes cientistas?' para perguntar 'Por que se conhece tão pouco as mulheres cientistas?'.

Analisando biografias de mulheres cientistas, independentemente das descobertas feitas, eles perceberam que foi raro elas não encontrarem dificuldades, preconceitos, mesquinharias e até perseguição devido ao seu sexo. Constataram também que, proporcionalmente aos obstáculos encontrados, o número de mulheres cientistas em todas as épocas é relativamente grande e seria totalmente errôneo achar que o progresso científico e tecnológico aconteceu sem elas.  Eles chamaram a atenção para o fato de que o maior dos obstáculos para as mulheres foi certamente a instrução que lhes foi negada durante séculos, já que tiveram acesso às universidades somente mil anos após a criação da primeira instituição. Confirmamos isso na própria história do IOC, olhando o livro que publicamos no ano passado sobre nossos 111 anos de Ensino. Na 1ª fase do ensino no Instituto, de 1907 a 1969, quando o governo militar cassou pesquisadores, fechou laboratórios e linhas de pesquisa e fechou o nosso Curso de Aplicação, dos 426 alunos que se formaram apenas 60 eram mulheres (14%) e a primeira mulher surge apenas na turma de 1926: Zinaide Block.

Marinoff afirma que a igualdade de direitos não significa igualdade nos resultados, pois assim como há diferença nas escolhas entre os homens, as mulheres também fazem escolhas distintas. Desse modo, nem todas migrarão para o campo científico, mas terão a chance de fazer escolhas, livres de conceitos pré-concebidos. De fato, desde a retomada do feminismo, nos fins dos anos 60, o fazer científico e o desenvolvimento tecnológico têm estado sob a mira constante do olhar feminista. E foi através desse olhar que se tornou evidente que as diferentes disciplinas se constituíram a partir da exclusão (ou da representação distorcida) das vidas e experiências das mulheres. Claro que isso impôs um viés predominantemente centrado nos valores masculinos, tanto na escolha como na definição dos problemas abordados na pesquisa, assim como no desenho dos projetos e na interpretação dos resultados obtidos, sempre com consequências diretas no tipo de desenvolvimento tecnológico que nosso país empreendeu.

Hoje, existem linhas de pesquisa sobre esse tema. No final de 1980, Fanny Tabak, pesquisadora pioneira na área, fundou o primeiro Núcleo Acadêmico de Estudos sobre a Mulher, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Esse Núcleo serviu de modelo para outros em todo o país e realizou o 'Encontros de Mulheres Cientistas' que atuam em instituições de prestígio nas várias áreas da Ciência e da Tecnologia do Rio. Reuniu engenheiras, físicas, químicas, biólogas, de empresas como a Petrobras, Eletrobrás, Furnas, Fiocruz, UFRJ, dentre outras. O objetivo inicial era traçar um 'perfil da mulher cientista'. Dentre as muitas perguntas que foram feitas, se queria saber quais as motivações para a escolha da profissão, a trajetória profissional, as dificuldades encontradas. A pergunta central dos debates travados era: “por que tão poucas mulheres se encaminham para carreiras científicas?”

Fanny publicou há dez anos o livro 'O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino', em que radiografa a condição das mulheres que fazem ciência no Brasil e alerta para a situação de desigualdade no mundo acadêmico que, segundo ela, só irá deixar de existir se forem tomadas medidas de incentivo à participação das mulheres na ciência. O livro aponta mudanças positivas para as cientistas brasileiras nas últimas décadas e prevê um futuro melhor. Fanny Tabak defende que se precisa de um esforço consciente e direcionado para atrair mais meninas para as carreiras científicas, desde a escola fundamental, despertando o interesse pela pesquisa e desenvolvendo a iniciativa, a curiosidade e a criatividade. O papel do professor é fundamental.

Nos perguntam se existe preconceito contra a mulher cientista. Achamos que a visão sobre o cientista na sociedade independe, na verdade, do gênero. De modo geral, muita gente acha que o cientista, seja mulher ou homem, é uma pessoa diferente, séria, formal, chata, que passa o dia inteiro no laboratório diante dos tubos de ensaio. Fanny Tabak comentou numa entrevista que isso resulta do fato de as pessoas acreditarem que a mulher cientista perde a sua 'feminilidade' por ter um tipo de vida totalmente diferente dos demais mortais. Isso levaria a um certo distanciamento, isto é, a um tratamento diferenciado das mulheres cientistas. Há apenas cinco anos, em 2008, o ex-reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, afirmou que as mulheres teriam menos aptidão para as ciências. E isso causou comoção. Um estudo de Stephen Ceci e Wendy Williams, da Universidade Cornell, publicado no PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), em 2011, afirma que o preconceito contra mulheres na ciência é, sobretudo, institucional. Eles analisaram dados sobre candidatura a vagas de trabalho, financiamento de pesquisa e publicação de artigos científicos nos EUA e constataram que a quantidade de mulheres na ciência aumentou desde a década de 1970, mas que elas ainda não chegam ao topo por causa da chamada 'discriminação institucional'. Elas recebem menos recursos para fazer pesquisa e têm menos oportunidades de trabalho em ciências - especialmente nos cargos de chefia.

Uma outra cientista, brasileira e da Unicamp, Maria Conceição da Costa, mostra nos seus estudos que as mulheres não conseguem alcançar os mesmos patamares porque a maior parte dos comitês de julgamento de bolsas é formado por homens, assim como os líderes de pesquisa e chefes de departamento. Homens tendem a escolher homens para cargos de chefia.

As mulheres cientistas brasileiras contam apenas com quatro ou cinco gerações de atividade universitária e, mesmo assim, um terço da força produtora de conhecimentos científicos é de mulheres. Em 2001, um estudo de Varella mostrou que a situação das mulheres evolui conforme aumenta o nível de escolaridade, mas que no degrau mais elevado da carreira acadêmica – o doutorado – os homens voltam a ser maioria. A julgar pelos dados que mostramos referentes ao IOC, isso também tende a se modificar. Mas deve mudar não apenas em número, mas em oportunidades. O auxílio maternidade nas bolsas de mestrado e doutorado, as creches abertas também às alunas, e outras iniciativas precisam ser pensadas e propostas. Em países campeões no quesito "igualdade de gênero", como a Suécia e a Dinamarca, congressos científicos são equipados com espaços para os filhos dos cientistas - sejam eles mulheres ou homens.

Uma destas iniciativas foi criada em 1993 pela Organization of Women in Science for the Developing World (originalmente denominada Third World Organization for Women in Science - TWOWS), ligada à The Academy of Sciences for the Developing World (TWAS). Visando a formação de jovens cientistas do sexo feminino nos países em desenvolvimento, essa academia, dentre outras ações, dá bolsas de estudo a mulheres em formação científica com o objetivo de reforçar o seu papel e sua inserção no desenvolvimento em seus respectivos países, aumentar sua produtividade científica e formar líderes que atuem em processos decisórios no nível nacional e internacional. Este é o tipo de programa que devemos incentivar, apoiando o recebimento destas alunas nos nossos Cursos de Pós-graduação. Queremos ressaltar que, neste evento de formatura, temos uma das alunas, Joana Felipa, da Angola, que concluiu o doutorado no laboratório de AIDS e Imunologia Molecular, com bolsa através deste programa.

Quem gosta da música e da poesia de Chico Buarque se recorda de uma linda canção em que ele toca no tema das liberdades e direitos das mulheres, no caso, as 'Mulheres de Atenas'. 'Lembrem-se do exemplo daquelas mulheres de Atenas, vivem pros seus maridos, heróis e amantes de Atenas'.

Aos poucos, vamos nos livrando dessa herança grega sobre o papel da mulher na sociedade e no trabalho. Na antiga Grécia, a mulher não só gerava, amamentava e criava os filhos, mas fazia tudo referente à subsistência do homem: fiava, tecia, trabalhava na agricultura e na mineração. As mulheres eram excluídas das funções públicas e apartadas do mundo do pensamento e do conhecimento. Já aos homens livres estavam reservadas as atividades consideradas mais nobres na pólis grega: a política, a filosofia e as artes. As mulheres de Atenas ocupavam posição equivalente à dos escravos, já que ser livre era, primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense e não estrangeiro, guerrear ou fazer política e não trabalhar com as mãos. O trabalho doméstico e os trabalhos manuais não eram valorizados, sendo exercidos pelos escravos. Assim como as gueixas no mundo oriental, as únicas mulheres gregas que tinham acesso ao mundo intelectual eram as hetairas, cortesãs que cultivavam as artes para se tornarem mais agradáveis aos homens em suas horas de lazer. A divisão sexual do trabalho nos moldes gregos atravessou séculos e sedimentou-se como ideologia na maior parte do mundo ocidental, com todas as suas implicações no campo da educação e do papel reservado à mulher na sociedade.

Foi outra incrível mulher, Simone de Beauvoir, que nos alertou: ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Estamos em 2013 e depois de muitas lutas e muitas conquistas, ainda há em todo o mundo formas de opressão e de violência contra a mulher que devem ser combatidas por todos.

No Brasil, a maioria dos estados já tem uma Secretaria para Mulher onde se tenta implementar políticas públicas para emancipação da mulher. Porém poucas focam no incentivo da mulher para a prática da Ciência. A nível federal, foi criado, em 2005, o Programa 'Mulher e Ciência', iniciativa da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério da Educação. Além da preocupação de diversas sociedades científicas com esse tema, a Unesco tem sido essencial para a incorporação de mais mulheres ao campo da ciência, tanto pelo financiamento de projetos como pela promoção de intercâmbios em seminários e conferências, regionais e internacionais.

A nível mundial, existe, desde 1998, o 'Prêmio L’Oréal-Unesco' do programa 'Para mulheres na Ciência', que alterna, a cada ano, temas de ciências de vida e ciências de materiais, além de premiar uma mulher em cada região do mundo (África/Oriente Médio, Ásia/Pacífico, Europa, América Latina/Caribe, e América do Norte), com um prêmio de US$ 100 mil. Uma jovem cientista recebe outro de US$ 20 mil. Seu slogan é 'O Mundo Precisa de Ciência. A Ciência Precisa de Mulheres'.

Celebramos as cinco mulheres cientistas brasileiras que já ganharam o prêmio: em 2001, Mayana Zatz, geneticista da Universidade de São Paulo (USP), com atuação no campo de células-tronco; em 2004, Lúcia Mendonça Previato, bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com atuação no campo doença de Chagas; em 2005, Belita Koiller, também física da UFRJ, com atuação no campo da física quântica; em 2009, Beatriz Barbuy, astrofísica da USP, e agora em 2013, Márcia Barbosa, física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com atuação no campo da física da água. Em uma entrevista com Belita Koiller após ganhar a premiação, lhe perguntaram o que ela tinha feito com a quantia ganha. Ela respondeu: 'Nada. O dinheiro está guardado para comprar um imóvel para o meu filho'. Coisa bem típica de mulher.

No Brasil, desde 2006, esse prêmio passou a ser realizado em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), com o objetivo de ampliar para sete as brasileiras recém-doutoras que podem ser premiadas com a bolsa-auxílio de US$ 20 mil para dois anos. Mais do que o valor do prêmio, o que conta é a sensibilização das mulheres cientistas, para que projetem, a nível nacional e internacional, seus trabalhos, permitindo que sejam reconhecidos, divulgados e valorizados. Que esse evento também nos sirva de estímulo para que nos apresentemos a esses prêmios, ampliando o escopo de iniciativas às quais podemos nos somar nesse belo movimento.

Por ser o dia internacional da mulher, nós, as quatro diretoras do IOC, três das quais aqui estamos desde a Iniciação Científica, há 40 anos, poderíamos ter convidado uma das atuais mulheres que se destacam nacional ou internacionalmente, seja como artista, dirigente de sociedade científica, ministra ou secretária de Estado. Mas achamos melhor olhar para a nossa própria Casa e ressaltar o que as nossas pesquisadoras, as nossas  gestoras, as nossas técnicas e tecnologistas estão fazendo, pensando, propondo e agitando. Porque nossas mulheres, tenham certeza, agitam - e muito - não só a pesquisa e a produção de conhecimento como todo o nosso ambiente de convívio. Com essa sessão especial estamos homenageando a todas. Com orgulho de sermos mulheres e de trabalharmos juntas e juntos no IOC.

E ninguém melhor do que duas mulheres doces e guerreiras, que conduzem um laboratório de pesquisas credenciado com o mesmo rigor que todos os nossos outros 70 laboratórios, para nos trazerem reflexões sobre esse tema, gênero, diferenças e desafios. Por isso, desde já quero agradecer a Simone Monteiro e Lucia Rotenberg.

Artigo de opinião assinado pela Diretora e Vice-Diretoras do IOC, Tania Araujo-Jorge, Helene Barbosa, Mariza Morgado e Elizabeth Rangel

08/03/2013

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