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Células-tronco e as pesquisas em neurociência

Pesquisas sobre o uso desta técnica para desenvolver novas terapias, testar medicamentos e criar modelos de estudo foram apresentados no seminário ‘Fiocruz-Aviesan’


Saiba mais sobre o evento:
:: Estratégias para pesquisas em neurociências
:: Novos caminhos para tratamento de Alzheimer, Parkinson e depressão
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Da criação de modelos de estudo até o desenvolvimento de terapias e medicamentos, o uso de células-tronco abre novas possibilidades contra doenças até hoje consideradas incuráveis. Este foi um dos destaques do segundo dia do encontro ‘Fiocruz-Aviesan: Seminar on Neuroscience’, realizado nos dias 5 e 6 de maio, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com a Aliança Nacional para as Ciências da Vida e da Saúde (Aviesan), que reúne as principais instituições da área na França.

Gutemberg Brito

Os pesquisadores Nora Abrous, Ingo Riederer e Vicent Mouly discutiram o papel de células-tronco multipotentes, presentes no organismo, em doenças neurodegenerativas e neuromusculares

Memória e criação de novos neurônios

Em palestra com o tema ‘Neurogênese adulta: um novo capítulo na memória’, a pesquisadora do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm) Nora Abrous destacou que a deterioração da memória na velhice pode estar ligada à queda na formação de novos neurônios, impactada pelo estresse. Experimentos realizados em camundongos pelo grupo da neurocientista mostram que quando as fêmeas são submetidas a estresse ainda na gravidez, os filhotes têm menor capacidade de gerar novos neurônios durante a vida adulta e maior chance de desenvolver falhas de memória na velhice. Por outro lado, colocar os animais em um ambiente estimulante logo após o nascimento reverte os efeitos negativos do estresse pré-natal.

“Esse fenômeno certamente ocorre de forma semelhante em seres humanos. Já existem estudos clínicos indicando que eventos precoces podem afetar o feto, o que justifica o cuidado durante a gravidez. O estresse pode ser provocado, por exemplo, por uma guerra ou um terremoto e afetar o desenvolvimento da criança, levando a problemas no envelhecimento”, disse.

A chamada neurogênese do adulto ocorre a partir de células-tronco neurais, presentes no cérebro, e os novos neurônios são criados em apenas duas áreas específicas, sendo que uma delas é o hipocampo. Ligada à formação da memória, esta região é uma das primeiras afetadas pelo Alzheimer. Estudos do grupo de Abrous mostraram ainda que estas células são responsáveis pela criação de memória espacial. Segundo a pesquisadora, o trabalho agora buscará conhecer melhor as características dos neurônios gerados na vida adulta, o que pode facilitar o desenvolvimento de drogas mais eficazes contra as doenças que afetam a memória.

Terapia celular contra doenças neuromusculares

As distrofias musculares são doenças genéticas que causam degeneração dos músculos, levando à fraqueza progressiva. Até hoje sem cura, estas patologias estão no foco das pesquisas sobre terapia celular apresentadas pelos pesquisadores Ingo Riederer, do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC, e Vincent Mouly, da Universidade Pierre e Marie Curie (UPMC), da França.

Gutemberg Brito

Ingo Riederer: “Se conseguirmos entender os problemas na terapia celular contra distrofias, poderemos buscar drogas ou novas estratégias que melhorem a eficácia deste tratamento.”

Segundo Ingo, os próprios músculos possuem células progenitoras, chamadas de satélites, que são capazes de se transformar em células musculares (mioblastos) e regenerar o tecido. Ainda nos anos 1980, pesquisas em camundongos mostraram que estas células, que existem em quantidade limitada no organismo, poderiam ser multiplicadas em laboratório e injetadas nos músculos para recompor a fibra muscular. Os primeiros testes em pacientes foram realizados nos anos 1990, porém os resultados foram decepcionantes. “Nos modelos animais, a técnica funcionou relativamente bem e foi possível ver que as células transplantadas se transformavam em fibra muscular. Mas nos ensaios clínicos, pouquíssima fibra foi formada, e os pacientes não tiveram benefício”, contou o pesquisador. Os estudos mostraram que, após serem injetadas nos pacientes, as células que deveriam regenerar os músculos perdiam a capacidade de se multiplicar e de se espalhar pelo tecido. Além disso, grande parte delas morria em pouco tempo.

As pesquisas desenvolvidas em colaboração por Riederer e Mouly buscam enfrentar estes problemas e já conseguiram avanços. Um estudo realizado pela dupla mostrou aumento na formação de fibra muscular quando macrófagos inflamatórios – que são células de defesa do organismo – são injetados nos músculos juntamente com mioblastos. De acordo com Riederer, alguns mecanismos podem explicar este efeito e precisam ser estudados para tentar propor uma estratégia que torne a terapia celular contra distrofias mais eficaz. “Um dos pontos importantes da nossa pesquisa é mostrar que talvez não exista um problema na capacidade de multiplicação e migração das células injetadas. A questão é que elas se diferenciam rapidamente em fibra muscular, para regenerar o tecido, o que interrompe a proliferação. Além de proteger os mioblastos da morte, os macrófagos produzem substâncias que estimulam a multiplicação e retardam a diferenciação das células”, explicou.

Células-tronco na pesquisa de novos medicamentos

A importância das células-tronco na busca por tratamentos vai além da utilização delas para a regeneração de órgãos. Retiradas de embriões ou desenvolvidas por reprogramação genética de células de adulto, as células-tronco são capazes de formar quase todos os tecidos do corpo humano, e este potencial é cada vez mais utilizado para desenvolver modelos de estudo de patologias e testar a ação de medicamentos. Esses aspectos foram abordados pelas pesquisadoras francesas Delphine Bohl, do Instituto Pasteur, e Cécile Martinat, do I-Stem, maior laboratório de pesquisas de células-tronco da França.

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Delphine Bohl espera que, em um ano, as pesquisas com células iPS permitam identificar mecanismos moleculares alterados em pacientes com ELA

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma das doenças cujo estudo pode ser facilitado pelo uso da técnica. A patologia leva à perda progressiva dos movimentos devido à morte de neurônios motores. Em cerca de 10% dos pacientes, há alterações genéticas hereditárias envolvidas, mas no restante dos casos, a causa do problema é desconhecida. Segundo Delphine Bohl, há apenas um modelo animal para estudos, que reproduz uma única forma de mutação genética, responsável por 1% dos casos de ELA. “Com este tipo de modelo, é impossível estudar as outras modalidades da patologia, e, até agora, pesquisas baseadas em animais levaram à descoberta de moléculas que não funcionaram para controlar a doença em pacientes”, afirmou a pesquisadora.

Em seu trabalho, a cientista utilizou células de adultos com ELA reprogramadas geneticamente para se tornarem células-tronco de pluripotência induzida (iPS). Em seguida, estas células foram levadas a se transformar em neurônios motores, que poderão ser estudados. De acordo com a especialista, o método deve permitir comparar as diferentes formas da patologia e buscar mecanismos comuns que possam ser alvo de tratamentos. “Com as células iPS poderemos estudar neurônios motores humanos de todas as formas de ELA. Como todas as pessoas afetadas desenvolvem os mesmos sintomas, queremos buscar qual o problema comum em todos os casos, para tentar corrigi-lo”, detalhou Bohl.

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Segundo Cécile Martinat, no futuro, as células-tronco devem ser usadas também para avaliar a toxicidade de substâncias candidatas a medicamentos

Os testes de novas drogas também avançam de forma mais rápida com o uso de células-tronco, como mostrou Cécile Martinat. Com o desenvolvimento de diversas linhagens celulares derivadas de pacientes, os pesquisadores podem testar o efeito de diferentes substâncias e identificar aquelas que podem funcionar em tratamentos. No laboratório I-Stem, por exemplo, cientistas conseguiram detectar que a metformina, droga usada no controle da diabetes, pode ter efeitos positivos em portadores de distrofia miotônica tipo 1, doença genética que provoca fraqueza muscular progressiva. Realizada em parceria com a farmacêutica Roche, a pesquisa seguiu para testes clínicos em janeiro deste ano. Segundo Martinat, “a triagem de drogas com células iPS é mais relevante do que outros métodos porque permite estudar o efeito das substâncias diretamente em células humanas doentes”.

Maíra Menezes
09/05/2014
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