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Diferença nos detalhes

Tese vencedora do Prêmio Alexandre Peixoto observou seis espécies de insetos barbeiros para apontar aspectos que podem influenciar a transmissão da doença de Chagas

Os insetos triatomíneos, conhecidos como barbeiros, são os principais responsáveis pela transmissão do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, a infecção afeta cerca de oito milhões de pessoas, a maioria na América Latina. Na região, os barbeiros são frequentes em áreas silvestres e, em alguns países, também no interior e no entorno das residências. Na pesquisa ganhadora do Prêmio Anual IOC de Teses Alexandre Peixoto 2014, o veterinário Carlos José de Carvalho Moreira investigou seis espécies destes insetos, analisando características que podem interferir na capacidade de propagação da doença. O estudo ‘Aspectos da biologia de diferentes espécies de triatomíneos sobre o desenvolvimento de tripanossomatídeos: caracterização de serpina, aglutinina e microbiota intestinal’ foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), com orientação do pesquisador José Rodrigues Coura, chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias, e co-orientação do professor Cícero Brasileiro de Mello Neto, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Foto: Gutemberg Brito

Os orientadores Cícero Brasileiro e José Rodrigues Coura ressaltaram que a análise de Carlos José sobre os barbeiros foi minunciosa

Características como habitar os ambientes domésticos e defecar durante ou logo após a picada favorecem a transmissão da doença. No entanto, outros fatores da biologia dos insetos podem influenciar neste processo. “Ao sugar o sangue de pessoas ou animais doentes, o barbeiro ingere o T. cruzi. O parasito se multiplica e se desenvolve no tubo digestivo do inseto até chegar à forma infectante para as pessoas, que é eliminada nas fezes. Algumas espécies produzem menos formas infectantes e isso pode estar relacionado à presença de moléculas e micro-organismos no trato digestivo do barbeiro, que modulam a interação com o parasito”, explica o autor da tese.

Pesquisador adjunto do Laboratório de Doenças Parasitárias, Carlos José tem a comparação entre barbeiros como alvo de estudos há cerca de 20 anos. Em 1994, ele publicou um artigo científico mostrando que a quantidade de formas infectantes de T. cruzi eliminadas nas fezes dos insetos variava significativamente entre nove espécies, indicando que algumas eram capazes de minimizar a produção de parasitos, enquanto outras maximizavam este processo. Já em 2003, outro trabalho comparou as duas espécies com maior e menor registro de eliminação de protozoários e apontou que o regime alimentar dos insetos poderia impactar na proliferação do T. cruzi.

Papel do colesterol 

Na tese premiada, Carlos José investigou seis espécies de barbeiros. Um dos aspectos estudados foi a aglutinação dos parasitos no interior do tubo digestivo dos insetos, o que pode ser um mecanismo importante para a sobrevivência do T. cruzi. A pesquisa descobriu que o processo depende da presença de colesterol HDL, que é ingerido pelos barbeiros quando sugam o sangue de pessoas ou animais. “A aglutinação pode proteger os parasitos da ação de substâncias que poderiam matá-los dentro do trato digestivo do inseto. Nós verificamos que a parte lipídica [gordurosa] do sangue, em especial o HDL, é a principal moduladora deste processo”, conta Carlos José.

Foto: Gutemberg Brito

Carlos José estudou características do trato digestivo dos barbeiros, onde ocorre o desenvolvimento do Trypanosoma cruzi nos insetos

A flora bacteriana encontrada no intestino dos insetos também foi estudada. A maior diversidade de micro-organismos foi identificada nos barbeiros Triatoma infestans, que já foram a principal espécie responsável pela transmissão da doença de Chagas no Brasil. De acordo com o autor da pesquisa, estes insetos tinham um papel central no ciclo da doença por viverem no ambiente doméstico. No entanto, ações baseadas no uso de inseticidas e melhorias habitacionais conseguiram reduzir a presença do T. infestans nas casas e, em 2006, o Brasil recebeu um certificado da OMS e da Organização Panamericana de Saúde (Opas) por ter interrompido esta forma de transmissão da doença.

Outro achado da pesquisa foi a identificação de uma proteína inédita em barbeiros, que foi isolada e caracterizada no trabalho. Segundo Carlos José, a molécula do grupo das serpinas foi descoberta na espécie Panstrongylus megistus. “Esta proteína participa de fenômenos relacionados à resposta imune dos insetos. Nós a encontramos na hemolinfa do P. megistus [fluido com função análoga ao sangue dos mamíferos]. Além disso, vimos que ela é produzida em menor quantidade em outros tecidos, inclusive no trato digestivo”, diz o pesquisador.

Espécies relevantes

O orientador da tese destaca que algumas espécies estudadas estão entre as mais importantes no ciclo de transmissão da doença de Chagas. “O Triatoma infestans é encontrado com frequência na Bolívia, Argentina e Paraguai, enquanto o Rhodnius prolixus é comum em países andinos e da América Central. No Brasil, o Rhodnius brethesi é um dos barbeiros envolvidos na transmissão da infecção no Amazonas, em áreas de floresta frequentadas por pessoas que realizam extração de piaçava”, diz Coura. Já Cícero, co-orientador do projeto, considera a abordagem multidisciplinar – com análises de parasitologia, proteômica, genética e biologia molecular – um diferencial do trabalho. “Trata-se de um estudo de ciência básica, mas ligado a uma doença que é um problema social importante. Esta tese aponta alvos que podem ser explorados em outras pesquisas em busca de aplicações no tratamento clínico e prevenção da infecção”, ressalta.

Resultados do projeto já foram publicados em dois artigos nas revistas científicas Parasites & Vectors e Plos Neglected Tropical Diseases. Além disso, um terceiro trabalho está em fase de submissão. Para Carlos José, o Prêmio IOC de Teses é um reconhecimento importante, especialmente por trazer em seu nome uma homenagem ao geneticista Alexandre Peixoto, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos, que faleceu em 2013. “Eu não esperava esta premiação e fiquei muito contente por ter sido escolhido. Alexandre era um grande cientista, que eu conhecia e admirava como pesquisador e colega”, declara.


Maíra Menezes
29/10/2014
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