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Pesquisador de biodiversidade microbiana aponta caminhos para o desenvolvimento nacional

As temáticas da biodiversidade e da taxonomia microbiana são novamente focos de discussão no cenário nacional. Depósitos de microrganismos, organizados em coleções lideradas por taxonomistas segundo metodologias internacionalmente reconhecidas são uma fonte rica para a preservação da megabiodiversidade brasileira. Desta forma é possível identificar espécies nunca estudadas e proporcionar desenvolvimento científico e tecnológico de forma sustentável e responsável. Criar uma estrutura capaz de dar conta destes desafios foi um dos temas abordados por Fabiano Thompson, professor do Laboratório de Genética e Bactérias do Instituto de Biologia da UFRJ, no Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) realizado no dia 2 de junho.

Segundo Fabiano, tem ocorrido uma redução na biodiversidade nos últimos 20 anos. 40% dos arrecifes de corais em todo o mundo já foram dizimados. Não só a biodiversidade de corais, mas também a biodiversidade da microbiota associada aos corais foi dizimada. Este e muitos outros dados sobre a biodiversidade do nosso planeta foram abordados na Convenção da ONU para a Biodiversidade (CDB), realizada em março de 2006, em Curitiba (PR). Fabiano ressalta que as três principais preocupações da CDB são a utilização adequada da biodiversidade, a repartição dos recursos advindos dessa biodiversidade - em termos de produtos biotecnológicos e de novos compostos bioativos que podem surgir do estudo da biodiversidade - e a preservação ex situ (em laboratório) da biodiversidade. A taxonomia microbiana - uma das ciências mais antigas do planeta - tem as tarefas de identificar e a classificar novos organismos, e por isso se preocupa diretamente com o tema.

"Em termos de microrganismos, é muito difícil conservar a biodiversidade In situ , ou seja, no meio ambiente", pondera. O pesquisador observa que a solução é conservar os microrganismos em laboratório com o estabelecimento das coleções. "É por isso que os países, especialmente os países em desenvolvimento, têm o desafio de estabelecer as coleções. Nos países desenvolvidos elas já existem e cumprem muito bem essa função de preservar a biodiversidade". E completa: "Preservar não significa simplesmente estocar em um armário ou em um ultrafreezer. Existe todo um protocolo."

Segundo o palestrante, os poucos centros brasileiros de pesquisa e desenvolvimento que tratam do tema ainda têm uma base de dados reduzida sob o ponto de vista microbiano. "Não há uma base de dados que represente a diversidade microbiana existente no Brasil. Há iniciativas importantes, porém a quantidade de informações sobre os tipos de microrganismos circulando no país ainda é insuficiente", opina.

Metodologias para o desenvolvimento

Países megadiversos, como o Brasil, são aqueles que têm até hoje desempenhado um papel mais acanhado de estudos e de preservação, ao passo que países desenvolvidos são os que mais investem nos chamados Biological Resource Centers (BRCs). Apesar de reconhecer que existem tentativas de implementação destes centros no Brasil, Fabiano lembra que o país ainda está 10 ou 20 anos atrasado nessa área.

"No momento em que se recebe o microorganismo, é preciso checar se ele está puro ou se tem contaminantes. Após esse procedimento, deve preservá-lo em nitrogênio líquido ou liofilizado. Dependendo do microorganismo, é necessário utilizar um método específico de preservação", descreve. Outro passo importante é a caracterização taxonômica precisa do microorganismo. Agregar as características dos microrganismos em um banco de dados eletrônico que qualquer pessoa possa acessar é um dos desafios da taxonomia atualmente, Fabiano destaca. Quando comparadas as coleções brasileiras às internacionais, o cientista vê claramente um atraso do Brasil. "Lá fora existem grandes estruturas mantidas com verbas na ordem de 4 a 5 milhões de euros por ano. Além de preservar linhagens puras, estas coleções também estão preservando amostras de solo, de água, de DNA, de RNA - estão em outro patamar", completa.

Para Fabiano, a taxonomia eletrônica é o futuro da taxonomia. Ele conta que, em 5 anos, provavelmente será possível fazer taxonomia com base no genoma completo. "Daqui a pouco se inventa uma máquina que determina a seqüência do genoma de uma bactéria em 10 minutos [ hoje leva 2 horas ]. Além de reduzir custos, esta também seria a maneira mais adequada de fazer taxonomia", analisa. "O genoma tem uns 5 mil genes, em média, se você considerar uma bactéria comum. O que fazemos é sequenciar de 5 a 7 genes e fazer taxonomia com base nesses genes. É uma visão do todo, digamos. Com base nisso, monta-se um esquema de classificação". Nas décadas de 80 e 90, as metodologias utilizadas - tais como SDS-PAGE e AFLP - acabavam por proporcionar bases locais, inviabilizando o compartilhamento de dados entre laboratórios. Já seqüências gênicas são facilmente acumuladas em bancos de dados de acesso público e são 100% reprodutíveis em qualquer parte do mundo.

Burocratas ou especialistas?

Outra questão central no desenvolvimento das coleções brasileiras é a gestão dos centros de pesquisa. De acordo com Fabiano, nenhuma coleção poderá sobreviver sem taxonomia e sem pessoal especializado. "A relação entre as coleções e a taxonomia é muito íntima. Depende, é claro, do que a gente considera uma coleção. Se pegarmos os exemplos internacionais, vamos ver que essa relação é muito íntima. Está dentro das tarefas das coleções a identificação e a classificação dos organismos; são os taxonomistas que fazem isso. Normalmente, as coleções renomadas no mundo têm uma série de taxonomistas altamente especializados em seus quadros. É o exemplo das coleções japonesas, alemãs e belgas", resume.

Fabiano lembra que existe uma discussão de gerenciamento e administração de coleções. "Deveríamos olhar uma das maiores coleções do mundo, que é a coleção alemã DSM ou então o BRC do NITE do Japão, e checar quem administra essa coleção. Se são burocratas que não entendem nada de microrganismos ou se pesquisadores renomados em microbiologia. Sem dúvida há uma relação mútua entre taxonomia e coleções microbiológicas", conclui.

Por outro lado, Fabiano ressalta que as coleções também colaboram com o desenvolvimento da taxonomia. "No momento em que você estabelece uma coleção, há um constante depósito de material biológico das mais variadas origens e locais que põe em xeque e estimula o refinamento de esquemas de identificação e classificação microbiana. A partir disso, novas perguntas vão surgir".

Desafios e oportunidades

Um dos principais desafios do Brasil nesta área é possuir uma coleção consolidada, Fabiano destaca. "Existem algumas em processo de formação, mas nenhuma delas reconhecida internacionalmente; nenhuma em condições de enfrentar as demandas de serviço, de pesquisa e burocráticas", pondera. As coleções que estão sendo estabelecidas atualmente no Brasil têm um grande desafio pela frente: conseguir aprender, num período muito curto de tempo, a falar a mesma língua que as coleções internacionais, de forma a estabelecer uma rede - os já referidos Biological Resource Centers , que têm um padrão alto de serviços e de qualidade. "Se o Brasil não se adequar a isso, não vai conseguir nem trocar material com essas coleções", Fabiano avalia.

Segundo o pesquisador, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) retomou nos últimos anos projetos que entendem a importância das coleções. "É preciso que tenhamos um centro que possa receber material, uma coleção que sirva como depósito de material de patente. Se alguém quiser fazer uma patente de microrganismos, precisa mandar o material para o exterior. Isso é um entrave para o desenvolvimento tecnológico do país. Além disso, existe a questão da própria manutenção da biodiversidade. Hoje, o Brasil não tem uma coleção que seja capaz sequer de preservar a biodiversidade, muito menos estudar a biodiversidade", observa.

Ele afirma que no Brasil há uma tendência de estudar os microrganismos apenas sob o ponto de vista biotecnológico. Fabiano lembra que, independentemente da aplicação biotecnológica, os microrganismos em conjunto no meio ambiente são essenciais para a manutenção da saúde dos ecossistemas.

Centros de Recursos Biológicos

O grande desafio das novas coleções brasileiras é tentar se tornarem Centros de Recursos Biológicos, aponta o taxonomista da UFRJ. Estes centros são importantes, pois estão comprometidos com a preservação e conservação da biodiversidade, com a pesquisa sobre diversidade e desenvolvimento (aplicação da pesquisa), proteção da propriedade industrial (patentes) e formulação de políticas públicas (trânsito de material biológico, distribuição de verbas). "Ainda falta muito para chegarmos lá, mas é uma trajetória fascinante e desafiadora para aqueles que estão realmente envolvidos com o estudo da biodiversidade", Fabiano acrescenta.

De olho no futuro, Fabiano lembra que a taxonomia dos mais variados grupos microbianos está sendo direcionada para a taxonomia eletrônica, feita através da internet, com seqüência de genes e de fácil acesso para qualquer pesquisador no mundo. No Brasil, por exemplo, foi estabelecido o primeiro esquema de taxonomia eletrônica para bactérias do grupo dos vibrios ( http://lmg.ugent.be/bnserver/MLSA/Vibrionaceae/ ). Este esquema inédito já é uma referência internacional. "Queremos estimular este tipo de atividade no Brasil e treinar novas pessoas nesse ramo. Mais do que isso, é preciso nos questionar como podemos desenvolver uma taxonomia automatizada, simples e acessível pela internet para os diversos ramos da biologia", Fabiano diz. Neste cenário, o pesquisador da UFRJ está organizando o evento Comparative Microbial Genomics and Taxonomy , de 14 a 18 de agosto (informações na página www.labinfo.lncc.br/comparative), com a presença de quatro pesquisadores europeus renomados no ramo e participantes de todas as regiões brasileiras.

Dicas de navegação

Alguns sites relacionados a Taxonomia Eletrônica:

· All Species Foundation: www.all-species.org

· Species 2000: www.sp2000.org

· GBIF: www.gbif.org

· Sinbiota: www.sinbiota.org.br

· MLSA identification page of vibrios: http://lmg.ugent.be/bnserver/MLSA/Vibrionaceae/

Gustavo Barreto, junho de 2006

 

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