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Medicina Tropical: 35 anos de integração campo-laboratório

Seminário comemorativo reuniu alunos, ex-alunos e pesquisadores e destacou papel do curso na formação de recursos humanos para o enfrentamento das doenças infecciosas

O Seminário Comemorativo de 35 anos da Pós-graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) reuniu gerações de profissionais formados na tradição de unir o trabalho de campo e a pesquisa em laboratório na busca de soluções para problemas de saúde do Brasil. Realizado nos dias 26 e 27 de novembro, o evento contou com palestras de alunos da turma do programa iniciada em 1980 e de estudantes que defenderam suas teses recentemente e receberam o reconhecimento de prêmios nacionais. Debates sobre o panorama atual das infecções tropicais também marcaram a programação.

Gutemberg Brito

Alunos, ex-alunos e pesquisadores do IOC se reuniram para celebrar os 35 anos da Pós-graduação em Medicina Tropical

Fundador do curso, José Rodrigues Coura, pesquisador emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, destacou a formação dos alunos da Medicina Tropical como um dos principais legados da sua carreira. “Os artigos e publicações científicas são importantes, mas ao formar pesquisadores temos um crescimento geométrico do conhecimento. O sucesso do curso pode ser percebido quando vemos os ex-alunos em instituições de pesquisa, em universidades e em entidades que orientam as políticas de saúde, como a Organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial da Saúde”, celebrou ele. Durante o evento, Coura foi homenageado com a apresentação do filme comemorativo “José Rodrigues Coura – o tropicalista do sertão”, produzido por Genilton José Vieira, coordenador do Serviço de Produção e Tratamento de Imagens do IOC.

Na mesa de abertura, o presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Gadelha, elogiou a forma como aspectos sociais e ambientais das doenças são abordados nos estudos da Pós-graduação. “Vemos na Medicina Tropical a associação entre a bancada do laboratório e o trabalho de campo, que se desenvolve nos igarapés e nas periferias. A pesquisa com o objetivo de solucionar problemas do país é o cerne desse curso, que continua como uma usina de formação do conhecimento e do futuro”, disse. Já o diretor do IOC, Wilson Savino, enfatizou a relevância das pesquisas no contexto atual de saúde pública. “Dengue, chikungunya e zika são exemplos de que as doenças infecciosas e parasitárias, que atingem mais os países tropicais, continuam ocorrendo mesmo em um cenário de mudança do padrão epidemiológico, com o crescimento de problemas crônicos não-infecciosos. Nosso desafio é cada vez maior”, afirmou. Também prestigiaram a cerimônia a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e a vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Elisa Cupolillo. A produção científica da Pós-graduação foi destacada ainda em um CD distribuído aos participantes com as 135 teses e dissertações defendidas nos últimos cinco anos.

Gutemberg Brito

Importância do curso para a formação de recursos humanos e a resolução de problemas de saúde do país foi destacada na abertura do evento

Expansão e reconhecimento

Em uma palestra que resgatou a história da criação da Pós-graduação em Medicina Tropical, Coura afirmou que o curso – assim como o Programa de Biologia Parasitária, iniciado na mesma época – representou a retomada dos ‘Cursos de Aplicação’ criados por Oswaldo Cruz em 1908 e interrompidos em 1969, durante a ditadura militar. O pesquisador ressaltou que o ensino tem um papel fundamental em uma instituição de pesquisa. “Quando fui convidado para ser diretor do IOC, em 1979, o então ministro da Saúde, Mario Augusto de Castro Lima, me perguntou o que deveríamos fazer para que o Instituto voltasse a ser o Manguinhos do passado. Eu disse: ‘Vamos contratar dez boas pessoas e colocar os meninos junto a eles e recuperaremos Manguinhos’”, contou.

A turma inicial da Medicina Tropical tinha cinco alunos, que realizaram um curso básico de um ano e depois seguiram para o mestrado. A primeira dissertação foi defendida em 1983 e, em 1987, foi implantado o curso de doutorado. Inicialmente voltado apenas para médicos, o curso se tornou multiprofissional em 2007 e atualmente conta com 143 estudantes inscritos. A coordenadora da Pós-graduação, Martha Mutis, lembra que, além das turmas no Rio de Janeiro, a Medicina Tropical possui cursos em andamento no Ceará e no Piauí. Além disso, o Programa interage com grupos de pesquisa de diferentes regiões do Brasil, da África e da América Latina. “Tentamos entender as questões de saúde no campo e trazê-los para o laboratório. Com as tecnologias modernas de biologia molecular e genética, podemos investigar como acontece a interação entre os parasitas, os seres humanos e o meio ambiente. Nossa preocupação é melhorar cada vez mais a qualidade das nossas pesquisas, não apenas para termos teses defendidas e artigos publicados, mas para entender os problemas e poder evitá-los”, comentou a pesquisadora.

Gutemberg Brito

O fundador da Pós-graduação, José Rodrigues Coura, foi homenageado pelo diretor do IOC, Wilson Savino

Em 2015, a excelência e a relevância das pesquisas desenvolvidas na Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC foram reconhecidas em duas premiações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A tese de doutorado da bióloga Monique da Rocha Queiroz Lima, que apresentou melhorias para os testes rápidos de diagnóstico da dengue, foi uma das vencedoras do Prêmio Capes-Interfarma de Inovação e Pesquisa. Já o estudo desenvolvido pelo médico o médico Dayvison Francis Saraiva Freitas, que investigou o aumento do número de casos de esporotricose no Rio de Janeiro, recebeu uma menção honrosa no Prêmio Capes de Teses.

De volta ao passado

Desenvolver pesquisas básicas e aplicadas na área das doenças infecciosas e parasitárias: este é o caminho básico daqueles que decidem seguir a área da Medicina Tropical. Um misto de saudade, nostalgia, e até mesmo de humor, marcou a mesa-redonda com a presença de alunos que fizeram história como a primeira turma de mestrado em Medicina Tropical do IOC.

“Um privilégio para todos nós e, sem dúvida, um aprendizado único na minha carreira”, foi assim que Márcia Lazera definiu a experiência de fazer parte de uma turma pioneira. Chefe do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), Márcia contou um pouco sobre os desafios e as perspectivas da época. “O curso ampliou os meus conceitos de microbiologia, estudos ambientais e da saúde humana voltada para doenças infecciosas. Lembro que no primeiro dia de aula o professor Coura disse ‘Se não estudar eu vou reprovar’, não deu outra: a partir daí, fizemos um pacto para estudar todos os dias de forma intensa”, destacou. Márcia escolheu como área de atuação a micologia médica e, há mais de 20 anos, se dedica aos estudos sobre micoses endêmicas no Brasil, tendo desenvolvido trabalhos de campo em diferentes localidades, como Piauí, Pará e a região Amazônica. “Passamos a investigar doenças ainda pouco estudadas na época, como a paracoccidioidomicose e a criptococose, causadas por fungos e que podem levar à morte pacientes com sistema imunológico comprometido”, explicou. A pesquisadora que também atua como docente do curso de Medicina Tropical revelou que os professores do curso foram fonte de inspiração. “Tivemos a chance de absorver ao máximo o conhecimento de grandes especialistas, como o professor José Rodrigues Coura, Leônidas Deane, Maria Deane e Alberto Londero”, destacou.

Gutemberg Brito

Pesquisa básica, docência, clínica: os alunos da primeira turma de mestrado da Medicina Tropical seguiram diferentes caminhos após a formação no Instituto

Para o capixaba Aloísio Falqueto, fazer parte desta turma foi uma transformação após o término da residência, ainda em 1979. “Eu vim de um estado que não tinha tradição em pesquisa na área para uma cidade nova e grande como o Rio de Janeiro. Passamos por uma fase intensiva de aprendizado que superou todas as expectativas que eu tinha sobre o Instituto”, contou. Falqueto foi um dos responsáveis pela estruturação dos primeiros núcleos de pesquisas e programas de pós-graduação na área no Espírito Santo. “As descobertas e os conhecimentos adquiridos no curso do IOC foram fundamentais para a minha carreira acadêmica. Pude contribuir para o processo de implantação de cursos de mestrado e doutorado no campo da Medicina Tropical na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Além disso, atuei como orientador nas áreas de doenças infecciosas, saúde coletiva e entomologia de vetores”, ressaltou. Atualmente, Falqueto ministra aulas de epidemiologia e doenças infecciosas nos níveis de graduação e pós-graduação na Ufes.

Médico do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, no Rio de Janeiro, José Carlos Pessoa de Mello destacou que a formação tem impactos para quem opta por seguir carreira acadêmica ou por atuar na área clínica. “Guardo experiências memoráveis da época. Lembro que o professor Deane chegava a falar por 50 minutos usando poucas projeções, mas o jeito dele e a paixão com que contava suas histórias repletas de saber científico nos cativava de uma maneira incrível”, contou.

Desafios das doenças tropicais

Como parte do Seminário Comemorativo, a edição do Centro de Estudos do IOC da última sexta-feira, 27/11, reuniu ex-alunos do Programa que, hoje, atuam em prol da saúde pública em diferentes organizações. O debate mediado pela pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias Ângela Junqueira discutiu os desafios mundiais das doenças tropicais.

Gutemberg Brito

Com atuação em diferentes organizações, ex-alunos do Programa discutiram os desafios mundiais das doenças tropicais, como a malária e a doença de Chagas

Pesquisador do Departamento de Controle de Doenças Tropicais Negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS), Pedro Albajar abordou o panorama da doença de Chagas no mundo. Segundo o pesquisador, assim como os demais agravos negligenciados, a doença tende a prevalecer em situações de pobreza ou condições sanitárias precárias – fatores que refletem a forma como os indivíduos ocupam e exploram o ambiente em que vivem. “As estratégias em prol da saúde devem considerar diferentes elementos, dos riscos para os seres humanos e animais aos danos para o meio ambiente. Qualquer ação pode ter reflexos no cenário como um todo”, explicou. As migrações intensas, as atividades agropecuárias extensivas e a degradação ambiental são alguns dos agravantes da doença de Chagas no mundo. Pedro acredita que o investimento em pesquisa é essencial para o combate à doença que é responsável por milhares de mortes todos os anos no mundo. “As doenças negligenciadas ainda enfrentam uma série de desafios, dentre eles, a compreensão de que as intervenções científicas e as decisões políticas precisam caminhar juntas”, salientou o pesquisador que se dedicou ao tema durante o doutorado no IOC.

Pesquisador da Fiocruz no Mato Grosso do Sul, Rivaldo Venâncio da Cunha discutiu os impactos dos vírus chikungunya e zika para a saúde pública. O vírus zika faz parte do gênero flavivírus, o mesmo dos vírus dengue, enquanto o chikungunya faz parte do conjunto dos alphavírus. O pesquisador apresentou características do mosquito Aedes aegypti, agente transmissor das três doenças, e contextualizou as diferentes formas de desenvolvimento do zika e chikungunya no organismo humano. Segundo Rivaldo, a transmissão vetorial urbana é fundamental para a manutenção do ciclo dessas doenças. “A situação atual, em que temos a circulação dos três vírus no Brasil, caracteriza um novo desafio para a saúde pública que vai da atenção aos doentes, ao investimento em ensino, pesquisa e comunicação na busca pela eliminação do mosquito vetor”, destacou Rivaldo, formado no mestrado e doutorado pelo curso do IOC. “A pós-graduação em Medicina Tropical apresenta uma abordagem ampla em relação à saúde pública brasileira. Para estudar o vírus da dengue, por exemplo, foi preciso investigar as raízes e os dilemas por trás dos locais em que o vírus circula e entender a complexidade presente na relação da comunidade com o desenvolvimento urbano acelerado e desordenado das grandes cidades do país”, concluiu.

Também participaram da mesa-redonda, a consultora em doenças emergentes da organização Médicos Sem Fronteiras, Lucia Brum, que abordou a relação entre a medicina tropical e a ajuda humanitária internacional, e o professor da Universidad Central del Ecuador Marcelo Aguilar, que apresentou as estratégias de controle da malária no Equador.

Lucas Rocha e Maíra Menezes
03/12/2015
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