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Aedes aegypti e Aedes albopictus mostram baixa competência para transmir Zika

Estudo pioneiro foi realizado por pesquisadores do IOC/Fiocruz e Instituto Pasteur com colaboração de instituição da Martinica

Uma pesquisa inédita avaliou a competência vetorial de mosquitos do gênero Aedes para a transmissão do vírus Zika em cinco países: Brasil, Estados Unidos, Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe. Uma vez que mensura a presença de partículas virais ativas na saliva do vetor, o dado sobre competência vetorial é fundamental para compreender a transmissão do vírus e estimar o risco de propagação da doença. Publicado na revista científica ‘Plos Neglected Tropical Diseases’, o estudo foi realizado por cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com as unidades do Instituto Pasteur na França, Guiana Francesa, Guadalupe e Nova Caledônia, além do Centro de Controle de Mosquitos do Conselho Geral da Martinica.


Os testes foram realizados com mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus do Rio de Janeiro e da Flórida. Já na Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe, onde não há registro da presença da espécie A. albopictus, apenas o A. aegypti foi estudado. Os resultados apontam que mosquitos A. aegypti e A. albopictus do Brasil e dos Estados Unidos, assim como insetos A. aegypti da Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe, são infectados pelo vírus, mas com diferenças significativas. Além disso, a competência dos insetos para transmitir o Zika durante a picada é baixa.

“A competência vetorial é determinada geneticamente, por isso podem existir diferenças entre as populações de mosquitos. Constatamos que as populações de A. aegypti e de A. albopictus das Américas podem, sim, ser infectadas pelo Zika e transmitir a doença. Porém, esse potencial de transmissão é reduzido e heterogêneo”, afirma o entomologista Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC e um dos autores do artigo. O trabalho ainda tem como primeira autora a estudante Thaís Chouin Carneiro, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC, que realiza doutorado-sanduíche no Instituto Pasteur, em Paris, como bolsista do Programa Capes/Cofecub.

Arte: Jefferson Mendes


O resultado sugere que outros fatores podem ter contribuído para a rapidez de disseminação do agravo, compensando a baixa taxa de transmissão pelos mosquitos. Segundo a pesquisadora Anna-Bella Failloux, chefe da unidade de Arboviroses e Insetos Vetores do Instituto Pasteur e uma das autoras do estudo, a falta de imunidade da população para a doença e a grande quantidade de vetores A. aegypti vivendo em proximidade com as pessoas são elementos que podem ter favorecido a propagação do Zika nas Américas. “Os mosquitos A. aegypti são altamente antropofílicos, picando principalmente os seres humanos. As diversas alimentações desses insetos aumentam a chance de infecção”, diz a cientista. As descobertas não alteram as medidas de prevenção necessárias para reduzir a proliferação dos insetos, já que as duas espécies são combatidas com as mesmas medidas de eliminação de criadouros.

Sobre a metodologia
Ovos de mosquitos dos cinco países, livres de qualquer tipo de vírus, foram enviados para o Instituto Pasteur, na França. Lá, os mosquitos das diversas localidades foram alimentados com sangue contendo vírus Zika. O patógeno usado pertence à linhagem asiática, a mesma identificada em circulação no Brasil e em outros países das Américas. Uma das responsáveis pelos testes de infecção, Thaís explica que três aspectos foram analisados para avaliar o potencial dos insetos para transmitir o vírus. O primeiro foi a taxa de infecção, que indica a capacidade do vírus de infectar e se multiplicar em células epiteliais do intestino dos mosquitos, caracterizando a primeira etapa da infecção no vetor. O segundo foi a taxa de disseminação, que aponta que o Zika ultrapassou a chamada ‘barreira do intestino’ e alcançou outras partes do organismo do inseto. Por fim, foi investigado o aparecimento de partículas virais infectantes na saliva dos mosquitos, determinando que os insetos seriam finalmente capazes de transmitir o Zika por meio da picada. Testes específicos, como a inoculação da saliva dos mosquitos em cultura de células, foram realizados para comprovar que as partículas do vírus estavam ativas – ou seja, com potencial de causar infecção em uma pessoa que fosse picada pelo vetor. “Barreiras próprias do inseto são capazes de impedir que o vírus se replique e se dissemine para as glândulas salivares, o que pode afetar consideravelmente a competência vetorial. Por isso, é imprescindível analisar as taxas de infecção, de disseminação e de transmissão, em diferentes dias após a infecção experimental, para o melhor entendimento do potencial de transmissão e da interação entre o vírus e o vetor”, afirma Thaís.

Arte: Jefferson Mendes


De modo geral, foram observados altos índices de infecção inicial dos insetos após o contato com o vírus Zika. No entanto, a taxa de disseminação do vírus dentro do mosquito, cruzando a barreira do intestino, e a eficiência de transmissão pela saliva do foram mais baixas. O estudo também traz dados importantes sobre o tempo de incubação do vírus Zika dentro dos mosquitos. Nas análises feitas quatro e sete dias após a ingestão do sangue infectado, nenhuma das populações de mosquitos apresentou partículas virais na saliva. Novas análises, realizadas 14 dias após a alimentação dos mosquitos com sangue infectado, foram realizadas em dois grupos de vetores. Nos A. aegypti do Brasil, apenas 10% tinham presença do vírus ativo na saliva. Nos A. albopictus dos Estados Unidos, a taxa foi ainda menor, de 3,3%.

Comparações com chikungunya e febre amarela
Segundo Lourenço, na comparação com outros vírus transmitidos pelos mesmos mosquitos, o Zika não apresenta características que expliquem uma dispersão mais acelerada. Em 2014, um estudo liderado pelos mesmos pesquisadores apontou que mais de 80% dos A. aegypti e acima de 95% dos A. albopictus das Américas têm potencial para transmitir o vírus chikungunya apenas sete dias após ingerir sangue infectado. “Comparativamente, observamos que a competência vetorial dos mosquitos para transmitir o vírus Zika é menor do que para chikungunya e dengue. Por outro lado, a competência vetorial para a transmissão do vírus Zika por estes mosquitos é semelhante à observada em um estudo que realizamos em 2002 sobre a transmissão do vírus da febre amarela”, comenta. O cientista acrescenta que, dependendo de fatores como a quantidade de mosquitos presentes, um nível baixo de competência vetorial pode ser suficiente para o estabelecimento do ciclo de transmissão da doença, mas a velocidade com que isso aconteceu com o vírus Zika surpreende.

Foto: IOC/Fiocruz

Ricardo Lourenço, Thaís Chouin Carneiro e Anna Bella Failloux consideram que o conhecimento sobre a interação entre o vírus Zika e os vetores Aedes pode contribuir para as estratégias de controle

“Isso permanece uma incógnita. Não podemos descartar a possibilidade de que existam mais vias de transmissão, através de outros vetores ou diretamente de uma pessoa para a outra, por meio de fluidos corporais”, pondera o pesquisador, ressaltando que os questionamentos não reduzem a importância do combate aos vetores. “Os mosquitos do gênero Aedes são comprovadamente vetores da infecção e evitar a sua proliferação é fundamental na luta contra Zika, dengue e chikungunya”, enfatiza.

O estudo destaca que o maior período de incubação do Zika nos mosquitos pode ser uma vantagem para as estratégias de controle. “De forma geral, os mosquitos das Américas não são tão eficientes para transmitir o vírus Zika. Assim, as medidas de combate aos vetores devem ser priorizadas para limitar a propagação do vírus pelos mosquitos”, declara Anna-Bella. Nos locais onde a circulação do vírus ainda não ocorre, o maior intervalo necessário para que os insetos comecem a transmitir a infecção após picar a primeira pessoa doente aumenta a janela de tempo disponível para realizar ações de bloqueio, que buscam eliminar os vetores antes que o ciclo da doença se estabeleça.

Diferenças regionais
Além de diferenças na competência vetorial entre as duas espécies de Aedes, a pesquisa identificou variações regionais. No caso dos A. aegypti, sete dias após ingerir sangue infectado, mais de 80% dos mosquitos de todos os locais estudados apresentaram o vírus Zika no sistema digestivo. No entanto, o índice de disseminação – que indica que o vírus conseguiu sair do intestino e se espalhar para outros órgãos do mosquito – foi maior entre os vetores da Guiana Francesa e de Guadalupe e menor nos grupos do Brasil, EUA e Martinica. Já com relação aos insetos A. albopictus, apenas 20% dos mosquitos de origem brasileira apresentaram vírus Zika no intestino sete dias após ingerir o sangue infectado, enquanto, nos mosquitos dos EUA, esse índice chegou a aproximadamente 60%.

Foto: Josué Damacena / Arte: Jefferson Mendes

Os Aedes albopictus apresentam uma linha longitudinal no tórax e cor mais escura. Já os Aedes agepyti exibem um desenho em formato de lira no tórax.

Hábitos do Aedes
Mesmo que as duas espécies de Aedes estejam aptas a transmitir o vírus Zika, Lourenço afirma que o A. aegypti ainda é o vetor mais frequente de doenças no Brasil. Em laboratório, experimentos já apontaram que os insetos A. albopictus do país são capazes de transmitir dengue, chikungunya e febre amarela. Porém, fêmeas desse vetor nunca foram encontradas naturalmente infectadas com qualquer um dos três vírus no Brasil. “O A. aegypti tem seus criadouros dentro ou junto das casas e se alimenta preferencialmente de sangue humano. Desta forma, ele está sempre em contato com as pessoas. Isso aumenta a chance de um mosquito desta espécie picar mais indivíduos e, consequentemente, de ser infectado e de transmitir doenças. Já o A. albopictus penetra pouco nas residências no Brasil. Ele é capaz de viver em ambientes modificados pelo homem, mas prefere as áreas próximas de vegetação, como quintais e peridomicílios. A probabilidade de um mosquito desta espécie picar um indivíduo doente e depois passar o vírus para outra pessoa é bem menor, porém de forma alguma negligenciável”, esclarece Lourenço.

Foto da capa: Aedes aegypti adulto, por Josué Damacena

Reportagem: Maíra Menezes
07/03/2016
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