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Pesquisa investiga disseminação de surto de febre amarela no Brasil

Estudo decodifica 62 genomas virais e confirma que casos de 2016 e 2017 foram provocados por ciclo silvestre da doença. Linhagem do patógeno que se espalhou pelo país teve origem na região Norte

Reunindo uma ampla base de dados genéticos e epidemiológicos, um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, traz contribuições sobre a disseminação do maior surto de febre amarela registrado no Brasil em quase oitenta anos. O trabalho apresenta o sequenciamento de 62 genomas virais de casos registrados entre 2016 e 2017, expandindo significativamente as informações disponíveis para análises. O artigo confirma que o surto foi provocado pela disseminação da forma silvestre da doença. Além disso, reforça a hipótese de que o vírus foi introduzido em Minas Gerais a partir da região Norte do Brasil e, após os primeiros casos no estado, se espalhou rapidamente – os cálculos apontam que teria percorrido, em média, 4,25 km por dia. Realizado em cooperação por cientistas de cerca de 30 instituições do Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, França, Bélgica e África do Sul, com parceria da Secretaria de Vigilância e Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) e da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o estudo foi publicado na revista internacional ‘Science’.

Foto: Gutemberg Brito

Segundo Luiz Alcantara, associação entre vigilângia genômica e epidemiológica pode ajudar a compreender e antecipar epidemias

“Esses resultados reforçam a importância da vigilância qenômica, associada à vigilância epidemiológica, para compreender a evolução das linhagens virais ao longo do tempo e tentar antecipar a ocorrência de epidemias. O fato de que o vírus foi introduzido em Minas Gerais a partir da Região Norte aponta que é necessário realizar vigilância também nas áreas endêmicas, onde o vírus persiste mesmo em períodos de silêncio epidemiológico”, afirma o pesquisador Luiz Alcantara, do Laboratório de Flavivírus do IOC e líder da pesquisa no Brasil.

Para chegar aos achados, os pesquisadores analisaram inicialmente as informações epidemiológicas relacionadas ao local e à data de ocorrência de 683 casos humanos e 313 infecções de primatas, notificados no estado de Minas Gerais, considerado o epicentro do surto. O mapeamento apontou que, em média, as infecções humanas ocorreram quatro dias após os registros em macacos. Também foi verificado, a partir dos cruzamentos de dados, que os pacientes infectados moravam em tono de 1,7 km do local mais próximo de infecção animal. Além disso, 85% dos infectados eram homens, um perfil que coincide com o de trabalhadores rurais e pessoas que se deslocam com frequência em áreas de mata, o que amplia as chances de infecção.

Segundo Alcantara, as análises sugerem a existência de um grupo de risco para a infecção, o que pode orientar futuras ações de vacinação em áreas já endêmicas. “Nossas análises mostram que a maior parte dos casos ocorreu em cidades mineiras com cobertura vacinal maior que 80%. Porém, os casos confirmados aconteceram majoritariamente em homens, na faixa etária de 40 a 49 anos de idade, que não estavam vacinados. Esse grupo, composto principalmente por trabalhadores rurais com atividades ocupacionais que envolvem contato direto com a floresta, deveria ser um foco das ações de vacinação no futuro”, enfatiza.

Sequenciamento genético
A decodificação dos genomas virais foi a etapa seguinte da pesquisa. Utilizando um equipamento portátil para sequenciamento genético, os pesquisadores conseguiram decodificar 51 amostras de Minas Gerais. “Esse trabalho foi possível a partir da experiência do projeto ZIBRA [sigla para ‘Zika in Brazil Real Time Analisys’ – em tradução livre, ‘Análise em Tempo Real do Zika no Brasil’], no qual utilizamos este sequenciador portátil pela primeira vez. Desenvolvendo um protocolo para o sequenciamento do vírus da febre amarela, conseguimos, em menos de duas semanas, obter cerca de 51 genomas”, relata Alcantara. Com o uso de técnicas laboratoriais tradicionais, foram sequenciados mais oito genomas referentes ao Espírito Santo, dois oriundos do Rio de Janeiro e um da Bahia.

Foto: Gutemberg Brito

Os pesquisadores conseguiram decodificar 51 amostras de Minas Gerais com o uso do equipamento portátil para sequenciamento genético

Os 62 novos genomas decodificados foram comparados com 61 sequências genéticas de vírus da febre amarela disponíveis em bancos de dados públicos para a construção de árvores filogenéticas – tipo de análise que agrupa no mesmo ramo os vírus que compartilham um ancestral comum, de forma semelhante às árvores genealógicas. Os pesquisadores observaram que todos os vírus do último surto de febre amarela registrado no Brasil se agrupariam em um ramo, o que indicaria a presença de um único ancestral comum. Verificaram, ainda, que esse ancestral estaria mais próximo de um vírus que circulou em Roraima em 2002, do que da cepa que circulou no território mineiro em 2003. “Podemos estimar que a linhagem que causou o surto foi introduzida em Minas Gerais em julho de 2016, oriundo da Região Norte, espalhando-se pelo estado e depois para outras áreas do Sudeste”, pontua Alcantara.

Unidos os dados epidemiológicos e de GPS dos casos e as informações das análises filogenéticas, os pesquisadores puderam calcular a velocidade de espalhamento do vírus: 4,25 km por dia. Considerando o local estimado de início do surto, a área de ocorrência da doença se expandiu continuamente entre agosto de 2016 e julho de 2017. Em relação ao ritmo de expansão da fronteira do surto, foi calculada uma taxa de 3,3 km por dia, aproximadamente.

Diferentes dados reforçam que a disseminação da doença ocorreu unicamente pelo ciclo silvestre da febre amarela – circuito em que o vírus é transmitido por mosquitos da floresta para macacos, e os seres humanos são infectados, acidentalmente, ao penetrar ou se aproximar das áreas de mata. De acordo com Alcantara, a pesquisa sugere que a ação humana pode ter contribuído para o rápido avanço do agravo nas áreas silvestres. “O vírus avançou mais rápido do que seria esperado considerando a locomoção natural de macacos e mosquitos na região. O tráfico de animais ou mesmo o transporte de insetos infectados em veículos podem ter contribuído para acelerar a expansão do surto”, pondera o pesquisador.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinícius Ferreira
21/12/2018
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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