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Alerta para a vigilância de vírus transmitidos por roedores silvestres

Estudo do Programa de Medicina Tropical vencedor do Prêmio Capes de Tese 2019 identifica novas espécies de arenavírus e aponta circulação de microrganismos em cinco estados onde nunca tinham sido identificados

Com resultados relevantes tanto para a ciência como para a saúde pública, a pesquisa desenvolvida pelo farmacêutico Jorlan Fernandes, no Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), foi ganhadora do Prêmio Capes de Teses 2019, na categoria Medicina II. O trabalho teve como foco os vírus da família Arenaviridae, conhecidos como arenavírus. Transmitidos por roedores silvestres, os microrganismos podem provocar quadros de febre hemorrágica com alta taxa de letalidade.

O estudo expandiu o conhecimento, identificando três novas espécies virais e apontando os roedores que atuam como hospedeiros dos microrganismos. Também alertou para a necessidade de intensificar as ações de vigilância, ao demonstrar a circulação dos arenavírus em cinco estados onde nunca tinham sido detectados, com evidência de infecção humana em quatro. O projeto ‘Arenavirus no Brasil: eco-epidemiologia e os aspectos de sua ocorrência no processo de expansão da agricultura familiar’ foi orientado pela pesquisadora Elba Lemos, chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC.

Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Ao centro, o autor da tese premiada, Jorlan Fernandes, e a orientadora da pesquisa, Elba Lemos; à esquerda, Renata de Oliveira, e à direita, Alexandro Guterres, pesquisadores que colaboraram com o trabalho


“A febre hemorrágica por arenavírus apresenta manifestações clínicas semelhantes às da dengue, febre amarela e malária. A incidência da doença é baixa, mas a letalidade é alta. Por isso, é importante estar alerta”, ressalta Jorlan, que cita um surto registrado em junho na Bolívia, com cinco casos suspeitos e três mortes.

Além dos artigos científicos – sete publicados em revistas internacionais e três em fase de redação –, os resultados do trabalho foram divulgados em duas notas técnicas com informações destinadas aos serviços de saúde. Uma cartilha bilíngue e um folder também foram produzidos para orientar a população sobre medidas de prevenção.

“Esse trabalho representa uma ação importante de vigilância preventiva. É preciso conhecer os microrganismos que circulam no país e estar preparado para realizar o diagnóstico das doenças e enfrentar surtos”, destaca Elba. A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa Brasil Sem Miséria, e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Silêncio rompido
A primeira etapa do estudo foi realizada a partir de amostras de 488 roedores silvestres de oito estados. A infecção por arenavírus foi detectada em roedores de cinco espécies, nos estados do Acre, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Análises do genoma dos microrganismos levaram à identificação de três novos vírus.

O vírus Xapuri recebeu o nome da cidade acreana onde foi localizado. O vírus Aporé foi batizado em referência ao rio de mesmo nome que passa pelo Mato Grosso do Sul, onde ocorreu o achado. As duas descobertas foram reconhecidas pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus, órgão que regulariza e organiza a descrição, identificação e classificação de vírus. O terceiro novo vírus, identificado a partir de amostras de Minas Gerais e e Goiás, ainda passa por análises. O trabalho detectou ainda a presença de dois microrganismos que nunca tinham sido encontrados no Brasil: o vírus Latino, originalmente detectado na Bolívia, e o Oliveros, da Argentina.

O estudo rompeu um silêncio de mais 30 anos, desde a descrição do vírus Sabiá, identificado na década de 1990 a partir do primeiro e único caso natural diagnosticado de febre hemorrágica brasileira por arenavírus. Após o trabalho, o número de microrganismos da família Arenaviridae detectados no Brasil subiu de quatro para dez, e o total de estados com circulação dos vírus passou de dois para sete.

A orientadora da pesquisa aponta que o silêncio em relação à doença no país era preocupante. “Argentina, Bolívia e Venezuela têm relatos anuais de casos e evidências da expansão territorial das arenaviroses. Considerando a biodiversidade imensa do Brasil, incluindo diversas espécies de roedores que podem ser reservatórios dos microrganismos, essa invisibilidade preocupa”, afirma Elba, acrescentando que casos da infecção podem ter passado despercebidos, confundidos com agravos mais frequentes como dengue e febre amarela.

Divulgação

Devido à elevada classificação de risco do arenavírus, roupas especiais são utilizadas no trabalhos de campo dos cientistas que se debruçam a desvendar os inúmeros mistérios a cerca deste microrganismo


A caracterização genética dos microrganismos foi realizada por Jorlan, durante período de doutorado-sanduíche, em parceria com o Laboratório de Virologia e Patogênese do Public Health England, em Salisbury, no Reino Unido, que atua como Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Referência e Pesquisa de Vírus (Patógenos Especiais). A análise apontou que o vírus Aporé está evolutivamente relacionado com os vírus Sabiá, do Brasil, e Chapare, da Bolívia, ambos detectados em casos de febre hemorrágica.

“Entre as espécies de arenavírus identificadas nas Américas, cinco foram associadas à infecção humana e todas integram o clado B [subgrupo dos arenavírus]. A identificação de um novo vírus desse grupo no Brasil reforça a necessidade de alerta”, salienta Jorlan.

Risco em áreas rurais
Considerando as áreas com resultado positivo para arenavírus em roedores, os pesquisadores analisaram amostras de soro de aproximadamente mil moradores de localidades rurais do Acre, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em todas as populações, foram identificadas pessoas com anticorpos contra arenavírus – o que indica infecção anterior pelo microrganismo. A taxa de infecção média foi 1,63%. O autor da pesquisa aponta que o estudo foi realizado em áreas atendidas pelo Programa Brasil Sem Miséria, incluindo assentamentos da reforma agrária e comunidades quilombolas.

Segundo ele, as condições precárias de moradia e falta de saneamento podem facilitar o contato da população rural de baixa renda com roedores silvestres, aumentando o risco de infecção. “As pessoas que vivem em áreas rurais próximas de florestas são as mais afetadas pelas arenaviroses. Os roedores, popularmente conhecidos como ratos do mato, entram nas moradias ou nos galpões de armazenamento de grãos em busca de alimentos. Ao urinar ou defecar nesses locais, eles eliminam partículas virais. A infecção ocorre quando as pessoas inalam os vírus que ficam suspensos no ar como aerossóis”, esclarece Jorlan.

Todos os resultados da pesquisa foram repassados às Secretarias estaduais e municipais de Saúde, ao Ministério da Saúde e à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Duas notas técnicas com informações relevantes para os profissionais e gestores dos serviços de saúde foram produzidas, sendo uma encaminhada à Secretaria estadual de Saúde do Mato Grosso e outra à Opas. Além disso, um folheto informativo e uma cartilha, com versões em português e espanhol, foram produzidos para orientar a população sobre a prevenção da doença. “A principal medida de prevenção é evitar o contato com os ratos do mato. Como a transmissão dos arenavírus ocorre principalmente em ambientes fechados, é importante adotar medidas para impedir a entrada dos roedores e usar equipamentos de proteção ao abrir locais que ficaram por muito tempo fechados”, cita o autor.

O farmacêutico enfatiza que as colaborações foram fundamentais para a realização do estudo. Além da equipe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses, ele ressalta a parceria dos Laboratórios de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios, Morfologia e Morfogênese Viral e de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC; das Universidades Federais de Goiás (UFG), do Mato Grosso (UFMT), do Mato Grosso do Sul (UFMS), do Acre (UFAC) e Fluminense (UFF); da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) e da Universidade de São Paulo (USP). O autor aponta ainda a cooperação com o Laboratório de Virologia e Patogênese do Public Health England, do Reino Unido, e o Instituto Nacional de Doenças Virais Humanas Dr. Júlio I. Maiztegui, da Argentina.

“A indicação ao Prêmio Capes de Tese pela coordenação do Programa de Medicina Tropical já tinha sido uma grande honra, especialmente considerando as teses de alto nível defendidas na Pós-graduação sobre doenças com grande visibilidade, como as arboviroses. O reconhecimento pela Capes de um estudo sobre arenaviroses – um agravo que passou por 30 anos de silêncio – mostra o direcionamento correto do trabalho. Somente conhecendo as doenças que temos no Brasil, poderemos estar preparados para responder aos problemas em saúde”, declara Jorlan.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinicius Ferreira
03/10/2019
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