Alterações inéditas em proteína Spike do SARS-CoV-2 no Brasil
Análises identificaram as modificações em amostras de 15 pacientes do Amazonas, Bahia, Maranhão, Paraná, Rondônia, Minas Gerais e Alagoas
Em mais um achado inédito, cientistas da Rede Genômica Fiocruz identificaram importantes alterações na estrutura da proteína Spike (S) do vírus SARS-CoV-2 em circulação no Brasil. Onze sequências genéticas apresentaram deleções na região inicial da proteína e em quatro ocorreu inserção de alguns aminoácidos. A proteína Spike é associada à capacidade de entrada do patógeno nas células humanas e é um dos principais alvos dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo organismo para bloquear o vírus.
A descoberta é fruto de intensa vigilância genômica conduzida por pesquisadores de todas as unidades da Fundação no país e de institutos parceiros que se empenham diariamente em gerar dados mais robustos sobre o comportamento do vírus e contribuir para um melhor preparo do país no enfrentamento da pandemia.
Os cientistas ressaltam que, até o momento, poucos genomas apresentam as alterações e que ainda não se caracteriza como a formação de uma nova linhagem do SARS-CoV-2. Entretanto, alertam que é preciso permanecer com o monitoramento para acompanhar se vírus com essas alterações não aumentarão de frequência.
Josué Damacena |
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A partir da vigilância genômica é possível acompanhar a evolução do vírus |
“Podemos dizer que esta é uma descoberta precoce, o que enfatiza a importância de ações em vigilância genômica, como a realizada pela rede da Fiocruz”, explica a chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a pesquisadora Marilda Siqueira. O Laboratório atua como Centro de Referência Nacional em vírus respiratórios junto ao Ministério da Saúde e como referência para a Organização Mundial da Saúde em Covid-19 nas Américas.
Os novos resultados, detectados a partir da metodologia de sequenciamento genético, são provenientes de amostras coletadas de pacientes de sete estados: Amazonas, Bahia, Maranhão, Paraná, Rondônia, Minas Gerais e Alagoas. As modificações ocorreram no domínio amino (N)-terminal (NTD), que podem dificultar a ligação com anticorpos e, assim, promover o escape imunológico do vírus no corpo humano. Mas os cientistas adiantam que dados experimentais complementares são necessários para testar essa hipótese nas linhagens que circulam no país.
Uma amostra coletada no Amazonas apresentou deleção em sequência genética ligada à linhagem B.1.1.28. Quatro amostras da Bahia, duas de Alagoas e uma do Paraná apresentaram perdas em sequências caracterizadas como linhagem P.1. Uma amostra de Minas Gerais apresentou a alteração na linhagem P.2. Duas amostras do Maranhão apresentaram a deleção na linhagem B.1.1.33, que também continham a mutação E484K.
Três amostras do Amazonas e uma do Paraná continham inserção de material genético em sequências provenientes da linhagem B.1.1.28 (P.1-like) – assim denominada por ser muito semelhante à P.1. Uma amostra coletada no Paraná e todas na Bahia e em Alagoas são de pacientes provenientes do estado do Amazonas ou com histórico de viagem à região. Os resultados foram publicados na
plataforma de pré-print MedRxiv.
Josué Damacena/IOC/Fiocruz |
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Pesquisadora Paola Resende am atividade laboratorial de sequenciamento completo do genoma do novo coronavírus |
“O novo coronavírus está continuamente se adaptando e, com isso, propiciando o surgimento de novas variantes de preocupação e de interesse com alterações na proteína Spike. No entanto, vale ressaltar que as novas mutações foram, até o momento, detectadas em baixa frequência, apesar de encontradas em diferentes estados. Ainda precisamos dimensionar o impacto deste achado e, sem dúvidas, ampliar cada vez mais o monitoramento genômico”, ressalta a virologista Paola Cristina Resende, do mesmo Laboratório, que atua como coordenadora da curadoria da plataforma genômica internacional GISAID no Brasil.
Os cientistas acreditam que as novas deleções e inserções estão associadas a uma evolução convergente do vírus, uma vez que foram detectadas em diferentes linhagens. “As variantes identificadas no Brasil até então não haviam apresentado as deleções e inserções que são comuns nas variantes de outros países, como Reino Unido e África do Sul. Aqui vemos pela primeira vez, que as linhagens brasileiras estão seguindo o mesmo caminho evolutivo das demais variantes de preocupação. As mutações agora alcançaram outro importante ponto da proteína viral, o domínio NTD, que é reconhecido por alguns anticorpos neutralizantes específicos”, salienta Gabriel Wallau, que integra o Núcleo de Bioinformática da Rede Genômica e é pesquisador do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-Pernambuco).
Segundo os cientistas, a acumulação em sequência de mutações observadas em território nacional muito se assemelha ao padrão observado na África do Sul, onde a variante de preocupação B.1.351 adquiriu primeiro as mutações no domínio RBD (E484K e N501Y) e, posteriormente, apresentou uma deleção no domínio NTD.
“Esta nova geração de variantes pode ser menos susceptível à neutralização dos anticorpos que suas linhagens parentais P.1, P. 2 e B.1.1.33. A pandemia de Covid-19 em 2021 no Brasil provavelmente será dominada por esse novo e complexo conjunto de variantes”, relata o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Tiago Gräf.
Os pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz alertam que os achados destacam a necessidade urgente de ampliação da vacinação e de implementação de medidas não farmacológicas eficazes, visando a mitigação da transmissão comunitária e o surgimento de variantes mais transmissíveis. Eles também apontam o investimento na vigilância genômica e em estudos de eficácia das vacinas para as novas variantes como medidas fundamentais.
A pesquisa foi realizada pela Rede Genômica Fiocruz, com participação de pesquisadores de diversos estados do país. O estudo foi liderado pelos Laboratórios de Vírus Respiratório e do Sarampo e de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz, Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz-Amazônia), Instituto Aggeu Magalhaes (Fiocruz-Pernambuco) e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Também colaboraram com o trabalho: Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas e Laboratórios Centrais de Saúde Pública do Amazonas (Lacen-AM), Maranhão (Lacen-MA), Alagoas (Lacen-AL), Minas Gerais (Lacen-MG), Paraná (Lacen-PR) e Bahia (Lacen-BA).
Resultado inédito anterior
Recentemente, a Rede Genômica Fiocruz identificou uma nova linhagem do SARS-CoV-2 no Brasil. Chamada de N.9, a linhagem foi caracterizada como variante de interesse por conter uma mutação na proteína S do novo coronavírus, conhecida como E484K, que é associada a evasão do sistema imune e encontrada em outras linhagens com grande disseminação no planeta, incluindo as variantes de preocupação P.1 e B.1.351. A alteração foi detectada em 35 amostras coletadas entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021 em dez estados do Sul, Sudeste, Nordeste e Norte do país.
Identificada, pela primeira vez, em São Paulo, a linhagem foi achada, em seguida, em Santa Catarina, Amazonas, Pará, Bahia, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe. Análises do genoma dos vírus indicam que a variante N.9 surgiu em agosto de 2020. O estado de São Paulo é apontado como o local de origem mais provável, mas também é possível que a linhagem tenha surgido na Bahia ou no Maranhão. A descoberta está publicada em forma de pré-print na
publicado na plataforma BioRxiv.
A virologista Paola Cristina Resende, do Laboratório de Virus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz, explica que a mutação E484K provavelmente teve origem entre julho e agosto de 2020, nas linhagens B.1.1.28 e B.1.1.33, as mais prevalentes circulando no Brasil naquele momento. “A partir de outubro, com a aceleração da disseminação do vírus, a mutação E484K se espalhou pelo país, coincidindo com uma grande mudança no perfil de evolução do SARS-CoV-2 no mundo”, diz.
Reportagem: Vinicius Ferreira
Edição: Raquel Aguiar
23/03/2021
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)
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