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Monitoramento da resistência do HIV a medicamentos

A Rede Nacional de Genotipagem do HIV (Renageno) atua há seis como sentinela no uso de medicamentos antirretrovirais para a Aids. A Rede acompanha pacientes em todo o país para detectar mutações no vírus que possam comprometer a eficácia dos remédios usados no tratamento, propondo esquemas terapêuticos alternativos de acordo com cada caso. No ano em que comemora seis anos, a Renageno amplia sua atuação com a integração de mais quatro laboratórios de pesquisa, totalizando 23 membros. Estabelecida como política nacional em 1999, a Renageno inaugurou seu funcionamento operacional em 2001, como um projeto de pesquisa que tinha por objetivo avaliar a eficácia do teste de genotipagem da resistência do HIV à terapia antirretroviral como ferramenta orientadora para redefinição do tratamento de pacientes com falha terapêutica.

 

Gutemberg Brito

 jose carlos couto-fernandez

O virologista José Carlos Couto-Fernandez, pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC, integra a rede do Ministério da Saúde que há seis anos monitora a resistência do HIV

A Rede é um serviço do Programa Nacional de DST/Aids prestado à população brasileira vivendo com HIV/Aids. Nesta entrevista, o virologista José Carlos Couto Fernandez, pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), referência estadual em genotipagem do HIV que compõe a Renageno como laboratório executor no Estado do Rio de Janeiro, explica como o monitoramento da resistência do HIV tem contribuído para a melhoria da qualidade vida dos pacientes e para o avanço da pesquisa científica.

Quais os principais avanços da Renageno nestes seis anos?
Desde que se consolidou como um serviço do PN-DST/Aids do Ministério da Saúde, em final de 2003, a Renageno tem contribuído significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes infectados pelo HIV e para a queda das taxas de morbidade e mortalidade da epidemia da Aids no Brasil, na medida em que avalia e redireciona o tratamento disponível. Em 2002, enquanto projeto de pesquisa, a Rede era composta por 18 laboratórios e realizava cerca de cinco mil testes por ano; hoje somos 23 membros e realizamos anualmente de 20 a 25 mil testes como um serviço do PN-DST/Aids. Nossa expectativa é ampliar esse espectro para 30 mil testes nos próximos anos.

Qual o papel do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC na Renageno?
O Laboratório de Aids e Imunologia Molecular, que é referência estadual do Ministério da Saúde para a contagem de células CD4 e para a quantificação de carga viral de pacientes infectados pelo HIV, é a unidade executora da Renageno no Estado do Rio de Janeiro. Juntamente ao Hospital Clementino Fraga e ao Instituto de Biologia do Exército, responde por 80% da demanda de genotipagem do Estado e dá suporte a laboratórios de outras regiões do país que precisem de auxílio.

Como é possível avaliar a resistência do HIV às drogas utilizadas no tratamento antirretroviral?
Para definir os mecanismos de resistência do vírus aos medicamentos, os laboratórios membros da Renageno executam testes moleculares em amostras de sangue de pacientes sob terapia antirretroviral que apresentam falha terapêutica com o objetivo de identificar a ocorrência de resistência genotípica, isto é, de mutações do HIV, possibilitando a seleção de uma terapia de resgate, reorientando o tratamento. Para isso, é preciso extrair o vírus do plasma do paciente para que o RNA viral possa ser purificado e transcrito em DNA pró-viral através da técnica PCR de retrotranscrição – uma transcrição inversa ao que acontece na natureza. A partir deste DNA pró-viral, que é uma cópia do DNA do vírus, amplificamos por PCR um fragmento genômico de 1.300 nucleotídeos, que através do seu seqüenciamento molecular permite a identificação das mutações de resistência do vírus. Um software emite um laudo de genotipagem com o resultado, indicando as combinações de medicamentos que devem ser evitadas.

Que fatores podem desencadear a resistência à terapia anti-HIV?
A resistência à terapia antirretroviral desenvolvida pelo vírus ao longo do tratamento é um fenômeno multifatorial que pode ocorrer basicamente por três razões: a própria natureza da diversidade genética do vírus, que é um microrganismo altamente mutante; a falta de adesão ao tratamento e a administração de doses subótimas da droga, pois quando o indivíduo não toma o medicamento corretamente as drogas não têm o efeito esperado e o vírus passa a resistir a elas; e a falência do sistema imune do paciente, que permite o escape do vírus em função do colapso do sistema de defesa.

Quais os critérios para a definição de um novo esquema terapêutico após o teste de genotipagem da resistência do vírus?
A partir dos laudos gerados pelos testes de genotipagem, identificamos as mutações que tornam o HIV resistente à terapia antirretroviral e avaliamos como a combinação dessas mutações pode resultar em diferentes graus de resistência viral. O cruzamento destas informações, comparado ao resultado encontrado na amostra analisada, define o novo esquema terapêutico a ser indicado ao paciente. De forma geral, o resultado sugere uma combinação de drogas antirretrovirais em função do perfil mutacional do vírus que infecta o paciente, sempre de acordo com o consenso terapêutico brasileiro, que serve como parâmetro para a indicação das drogas disponíveis para o tratamento anti-HIV.

Os relatórios que integram os diferentes resultados gerados por laudos de genotipagem da resistência do HIV são permanentemente atualizados, pois novas drogas estão sempre em desenvolvimento e a alta capacidade mutagênica do vírus faz com que seus mecanismos de resistência acompanhem a evolução dos medicamentos, produzindo novos perfis de resistência.

É possível um paciente não se adaptar a nenhum esquema terapêutico?
Uma grande preocupação do Ministério da Saúde é o paciente multirresistente, que não se adapta a nenhum esquema terapêutico. São indivíduos que já testaram diversas possibilidades de tratamento e desenvolveram resistência a todas elas – no Rio de Janeiro, de 3% a 5% dos pacientes em tratamento são multirresistentes. Neste sentido, o Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC desenvolve, em importante interface com a Renageno, projetos de pesquisa para investigação de novos alvos terapêuticos que possam dar origem a novas drogas, capazes de responder às demandas destes indivíduos.

Por que isso acontece?
O sucesso da terapia antirretroviral é uma condição multifatorial. Relacionamos todos esses fatores para tentar otimizar ao máximo o tratamento, visando a máxima redução de carga viral e o aumento das células CD4. Porém, dentro da epidemia existem diferentes situações, associadas a características específicas do vírus e do hospedeiro, que podem produzir os mais diversos quadros. O resultado do tratamento depende, assim, da resposta imune individual do paciente, de sua adesão ao tratamento e de sua bagagem genética, entre outros fatores. Além dos pacientes multirresistentes existem também os indivíduos que não estão sob terapia antirretroviral, nunca estiveram, e têm baixa carga viral e elevado índice de células CD4 – um quadro bastante positivo.

Quem pode solicitar a realização do teste?
Existem critérios para a prescrição do teste de genotipagem do HIV pelo Ministério da Saúde, pois o procedimento ainda é muito caro e é impossível atender a todos os pacientes.
O Brasil tem cerca de 180 mil soropositivos em tratamento e uma média de 20% a 30% destes indivíduos têm acesso, duas vezes por ano, ao teste de genotipagem da resistência do HIV à terapia antirretroviral. Para otimizar sua aplicação, o teste de genotipagem é indicado a indivíduos que apresentem falha terapêutica em até cinco tentativas de tratamento.

Na prática, o paciente é indicado à terapia antirretroviral quando passa a apresentar uma contagem de linfócitos inferior a 350. O tratamento inicial é composto geralmente por três drogas, duas inibidoras da transcriptase reversa e uma inibidora da protease, enzimas essenciais para a multiplicação do vírus. Se o indivíduo aderir positivamente ao tratamento, tiver boa tolerância, ele terá a carga viral suprimida e poderá permanecer com este esquema terapêutico por um longo período de tempo. Num certo momento, porém, por uma série de fatores, o vírus pode sofrer uma mutação, que resultará na ineficiência do tratamento e na reapresentação dos sintomas da Aids pelo paciente. Neste caso, o teste de genotipagem da resistência do HIV à terapia antirretroviral é indicado.

Quais os profissionais envolvidos neste procedimento?
Além de pesquisadores e técnicos de laboratório que executam os testes, contamos com o auxílio de um médico, geralmente infectologista, com formação de referência em genotipagem do HIV. Este profissional tem conhecimento diferenciado em biologia molecular e é capaz de interpretar o laudo de genotipagem produzido pelo teste e de prescrever a medicação adequada ao paciente. A partir dessa necessidade, o Ministério da Saúde implementou a capacitação permanente de médicos de referência em genotipagem. Hoje, contamos com cerca de 365 médicos de referência em genotipogem, sendo 265 infectologistas e cem pediatras, que integram a Rede em todo o Brasil. Estes profissionais orientam o corpo médico dos serviços na indicação, utilização e interpretação de testes de genotipagem para seleção de um esquema antirretroviral de resgate terapêutico.

Como outros serviços de atendimento ao paciente podem auxiliar a adequação do novo esquema terapêutico?
A resistência do HIV à terapia antirretroviral é um processo multifatorial e por isso é fundamental ter a consciência de que laboratório, clínica e assistência são ações que devem estar integradas para o bem-estar do paciente. A mudança de esquema terapêutico pode resultar no aumento de resistência do vírus e é muito importante que outros serviços como assistência, acolhimento e epidemiologia integrem o acompanhamento do paciente para monitorar sua adesão ao tratamento, fator determinante da resistência viral. São serviços que cercam, complementam e otimizam a realização do teste de genotipagem da resistência do HIV à terapia antirretroviral e a indicação do esquema terapêutico adequado. O teste de genotipagem tem como efeito principal o mapeamento de mutações de resistência do HIV, com o objetivo de orientar a reestruturação terapêutica e é hoje o maior subsídio para a condução da terapia antirretroviral.

Como o Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC concilia as atividades de pesquisa ao serviço de atendimento à população prestado pela Renageno?
A partir da análise molecular dos vírus circulantes na população é possível, por exemplo, mapear a epidemiologia ou a dinâmica de subtipos do HIV no Estado do Rio de Janeiro. Uma vez que realizamos a genotipagem dos vírus em todo o Estado e que temos os dados epidemiológicos dos indivíduos atendidos pelo serviço, temos como mapear a circulação de diferentes subtipos genéticos no Estado.

Outro aspecto importante é a investigação da prevalência dessas mutações de resistência, a fim de inferir se há um aumento significativo dos perfis mutacionais, inclusive ao longo do tempo. Identificamos essas prevalências mensalmente, funcionando praticamente como um serviço de vigilância epidemiológica molecular das diferentes mutações e subtipos. Na medida em que surgem subtipos característicos de uma determinada região, como acontece com vírus recombinantes africanos no Estado do Rio de Janeiro, temos a perspectiva de realizar estudos de filogenia evolutiva para identificar a origem desses vírus, a época de sua introdução nesta região e avaliar seu impacto sobre a epidemia local.

Leia reportagem especial sobre os 20 anos do isolamento do HIV no Brasil

Bel Levy
21/07/08

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).


 

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