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Mudança no perfil epidemiológico da hepatite A aumenta risco de co-infecção com HIV

O aumento do risco de co-infecção pelo vírus da hepatite A (HAV) em pessoas que vivem com HIV é o principal resultado de um estudo realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). A partir da análise de mais de 500 amostras de pacientes com HIV/Aids, coletadas durante cerca de 20 anos, a pesquisa registrou uma mudança no perfil epidemiológico da hepatite A, ligada a fatores sócio-econômicos e culturais. Este resultado alerta para o aumento do risco de co-infecção por HIV e HAV. O estudo confirmou, ainda, resultados anteriores que apontam a diminuição da imunidade da população contra a hepatite A, atribuída às melhorias nas condições sanitárias, que reduziram o contato com o vírus ainda na infância.

Gutemberg Brito 

 
 O estudo utilizou amostras de pacientes atendidos no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, da Unirio

 Os pesquisadores analisaram amostras de mais de 500 pacientes vivendo com HIV desde 1988 até 2004 e constataram a mudança do perfil epidemiológico da hepatite A nesse grupo

 
 
 Os pesquisadores utilizaram técnicas sorológicas para analisar a existência do anticorpo anti-HAV IgG em amostras de 581 pacientes infectados por HIV/Aids atendidos no Universitário Gaffreé e Guinle, da Unirio, coletadas entre 1988 e 2004. “A presença deste anticorpo indica que o indivíduo já teve contato com o vírus da hepatite A em algum momento de sua vida, tendo ou não desenvolvido a infecção, e está imunizado contra a doença”, esclarece a pesquisadora Vanessa de Paula, do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC, responsável pelo estudo. Em geral, na infância a hepatite A apresenta-se de forma assintomática, ou leva a casos brandos de infecção, com sintomas como febre, fadiga e náuseas, mas a doença pode causar graves complicações em pacientes adultos portadores do HIV.

Para complementar os resultados, os especialistas cruzaram o resultados com informações pessoais contidas nas fichas dos pacientes e obtidas através de entrevistas, no caso das análises feitas em 2004. “O estudo de um período longo de tempo nos permitiu acompanhar a mudança do perfil epidemiológico da hepatite A nesta população”, avalia a bióloga. “Com base nos dados dos pacientes, foi possível avaliar a importância de fatores sócio-culturais nessa evolução.”

 Gutemberg Brito

 
 A pesquisa realizou análises laboratoriais e estudou as informações pessoais dos pacientes 

 O trabalho dos pesquisadores Vanessa de Paula, do IOC, e Adilson José de Almeida, da Unirio, aponta para importância crescente da transmissão da hepatite A por via sexual, o que aumenta risco de co-infecção

Os resultados mostraram uma mudança acentuada no perfil epidemiológico da hepatite A em pacientes com HIV/Aids. Os pesquisadores detectaram uma prevalência média de 79,8% de pacientes com anticorpos anti-HAV IgG em 2004, uma redução de 15% em relação à prevalência verificada em 1997. Em paralelo, a prevalência da hepatite A nos portadores de HIV foi bastante alterada ao longo dos anos. “Quando os primeiros pacientes com HIV começaram a serem atendidos no hospital Universitário no Hospital Universitário Gaffreé e Guinle, em 1988, daqueles que mostraram ter tido contato prévio com o vírus da hepatite A, 86,7% eram homens e 13,3% eram mulheres”, lembra Vanessa “Em 2004, a relação já era de 57,5% de homens para 42,5 % de mulheres.”

Transmitida por via oral e fecal, a hepatite A sempre esteve associada a condições sanitárias inadequadas, sendo transmitida principalmente pela ingestão de alimentos e água contaminados. “A melhoria das condições de saneamento e de distribuição de água, no entanto, tiveram um grande impacto na transmissão, evitando que uma parcela da população tivesse contato com o vírus ainda criança, quando a doença costuma ser assintomática”, acredita o pesquisador Adílson José de Almeida, um dos responsáveis pelo estudo na Unirio. “As alterações no perfil epidemiológico da hepatite A seguem um padrão muito parecido com o apresentado pela evolução da epidemiologia da Aids, no mesmo período, o que indica a importância da transmissão sexual da hepatite A, através da prática de sexo desprotegido, e aponta para riscos maiores de co-infecção pelas duas doenças.”

As informações pessoais obtidas através das fichas dos pacientes e dos questionários confirmam, segundo a bióloga, a importância dos fatores ambientais para a mudança epidemiológica e reforçam a preocupação com a co-infecção. “A diminuição do percentual de pacientes masculinos portadores de HIV com anticorpos anti-HAV IgG pode estar relacionada, por exemplo, a campanhas de educação sexual e de incentivo ao uso de preservativos”, argumenta Vanessa. “Ao mesmo tempo, os dados mostram que, analogamente ao processo ocorrido com a Aids, o número de mulheres casadas heterossexuais infectadas aumentou, especialmente entre as de baixa escolaridade.”

 Gutemberg Brito

 
 Cinco pacientes estudados apresentavam quadro de co-infecção HIV-hepatite A 

Descobertas sobre alteração no perfil epidemiológico da hepatite A pode servir de base para a promoção de campanhas de vacinação seletiva de pacientes que vivem com HIV

Uma vez que os resultados apontam para o risco do aumento do número de casos de co-infecção HAV-HIV, os pesquisadores também analisaram o atual quadro da infecção pelos dois vírus. Para isso, avaliaram a presença do anticorpo anti-HAV IgM nas amostras. “Sua presença indica a infecção recente pelo vírus da hepatite A, ou seja, que a doença está se desenvolvendo no corpo do indivíduo”, explica Vanessa. Entre os 117 pacientes com HIV/AIDS que não demonstraram contato prévio com o vírus da hepatite A avaliados no estudo, cinco (4,2%) apresentavam esse quadro de co-infecção. “O desenvolvimento paralelo das duas doenças é grave. Estudos demonstram que em pacientes com HIV, a hepatite A não é auto-limitada, ou seja: ao invés de ter uma cura rápida, deixa o paciente debilitado por vários meses e pode evoluir para hepatite fulminante.”

Segundo Vanessa, o resultado apresentado pelo estudo segue a tendência apresentada por pesquisas anteriores, realizadas com parcelas mais amplas da população, que têm classificado o Brasil não mais como um país altamente endêmico em hepatite A, mas de média endemicidade. A diminuição do contato da população com o vírus A tem grande impacto na saúde pública, segundo a especialista. “Até pouco tempo atrás, a maioria da população entrava em contato com o vírus na infância e adquiria imunidade”, pondera a bióloga. “Como esse contato precoce com o vírus deixou de ocorrer com tanta freqüência, uma parcela maior da população atinge a casa dos 20-30 anos sem ter imunidade para a doença, faixa etária em que é mais comum o contágio pelo HIV, o que aumenta o risco de co-infecção.”

Os pesquisadores acreditam que, com o aumento da quantidade de portadores de HIV/Aids suscetíveis ao vírus da hepatite A e a aproximação do seu perfil epidemiológico com o da Aids, campanhas de conscientização e de vacinação seletiva poderiam ser consideradas como alternativas. “Para evitar o perigo da co-infecção, poderia ser realizado um levantamento sorológico, para identificar entre as pessoas que vivem com HIV, quais não apresentam anticorpos contra hepatite A”, acredita Vanessa de Paula. “A partir daí, poderíamos pensar em uma campanha de vacinação seletiva desses pacientes,” opina.


Marcelo Garcia

01/12/08

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).

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