Um é muito ágil, se reproduz em água limpa, ataca em plena luz do dia e transmite a dengue, doença que tem preocupado a população nos últimos verões. O outro prefere a madrugada, coloca seus ovos em água suja rica em matéria organica e atormenta as noites de sono com seu zumbido. Os dois espreitam nas sombras, dentro de casa, esperando a oportunidade de se alimentar com sangue necessário para produzir seus ovos. Com a chegada do verão, acelera-se o ciclo reprodutivo e de desenvolvimento dos dois mosquitos mais urbanos do mundo: o Aedes aegypti, o já conhecido vetor da dengue, e o Culex quinquefaciatus, o pernilongo doméstico. O pesquisador José Bento Pereira Lima, do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), alerta que, para controlar a população dos dois insetos, é preciso entender as diferenças entre eles e eliminar seus criadouros, sejam os focos de água parada e limpa, no caso do A. aegypti, ou suja, no caso do Culex.
Gustavo Rezende |
|
Diferente do A. aegypti, que dissemina seus ovos por diversos criadouros, o Culex deposita seus ovos na água, sempre todos juntos, no mesmo criadouro. Uma substância viscosa une uns aos outros, formando uma “jangada” com dezenas de ovos, de pé, flutuando na superfície da água. Essa é apenas uma das diferenças entre as duas espécies de mosquito |
Com a frequência das chuvas durante o verão, é comum encontrar pelas ruas e calçadas depósitos de água suja e cheia de matéria orgânica em decomposição. Muitas vezes, quando a população encontra larvas de mosquitos nesses depósitos, assim como em valões e esgotos a céu aberto, acredita estar diante de criadouros do mosquito transmissor da dengue. No entanto, José Bento reforça que o A. aegypti só deposita seus ovos em água limpa, não necessariamente potável, mas com pouco material orgânico em decomposição. Reservatórios com água suja e contaminada são criadouros potenciais do Culex. Apesar de conviverem bem no ambiente doméstico e dividirem os mesmos abrigos, o pesquisador explica que existem muitas diferenças entre as duas espécies.
É muito comum na época de chuvas encontrar larvas de mosquitos em águas sujas, cheias de material em decomposição, como esgotos e fossas. Essas larvas podem ser de A. aegypti?
Não. É importante lembrar à população que o A. aegypti só deposita seus ovos em águas limpas. Suas larvas não conseguem sobreviver em reservatórios poluídos, com dejetos e muita matéria orgânica. Quando são encontradas larvas em poças com água contaminada, muito barrenta, em esgotos a céu aberto, em valões ou outros criadouros semelhantes, certamente não são larvas de A. aegypti. Provavelmente, trata-se de larvas de Culex quinquefaciatus, o pernilongo doméstico. Ao contrário do A. aegypti, o Culex prefere colocar seus ovos em criadouros bastante poluídos, com muita matéria orgânica em decomposição.
Gutemberg Brito / Rosane Meirelles |
|
Enquanto reservatórios de água limpa à céu aberto, com pouco material orgânico (esq.), são possíveis criadouros de A aegypti, cisternas (dir.) e valões, que acumulam água suja,são ideais para ovos e larvas de Culex |
Gustavo Rezende |
|
O A. aegypti é escuro e apresenta marcações brancas nas pernas e no corpo, enquanto o Culex apresenta coloração marrom. Além dessas diferenças, os dois mosquitos apresentam hábitos bastante diferenciados em relação aos seus criadouros preferenciais e horários de maior atividade |
As larvas dos mosquitos também apresentam diferenças morfológicas e de comportamento?
Existem algumas diferenças entre as larvas dos dois mosquitos, como o tamanho da cabeça e do tórax, maiores no Culex, e a forma do cifão respiratório, menor e mais grosso no A. aegypti. Outra diferença é a sensibilidade à luz. As larvas dos dois mosquitos possuem fototropismo negativo, o que quer dizer que não convivem bem com o excesso de luz e, por isso, procuram as partes mais escuras dos criadouros. Porém, a aversão à luz é muito mais acentuada no A. aegypti. As larvas tendem a se acumular no canto mais escuro dos focos, enquanto as de Culex estão mais espalhadas por todo o criadouro. Se aproximarmos um feixe de luz de um foco, as larvas dos dois mosquitos se afastam, mas no A. aegypti esse movimento de fuga é muito mais acentuado.
Gustavo Rezende |
|
As larvas do Culex (em cima) preferem água suja, com grande quantidade de matéria orgânica em decomposição. As de A. aegypti (abaixo) não resistem em ambientes poluídos |
Quanto ao ciclo de desenvolvimento, as diferenças são significativas?
Em geral, o A. aegypti e o Culex possuem um tempo de desenvolvimento parecido, que varia de acordo com a temperatura, levando cerca de 8 a 10 dias no verão. No inverno, ambos têm ritmo de desenvolvimento mais lento.
Uma das principais dificuldades no controle da população do A. aegypti é a grande resistência de seus ovos ao ressecamento. O mesmo ocorre com o Culex?
Não. Os ovos das duas espécies são muito diferentes. O A.aegypti coloca os ovos na parte úmida próxima à lâmina d’água e não diretamente na água. Eles são capazes de ficar até um ano no seco e permanecer viáveis, capazes de originar mosquitos adultos quando encontram as condições propícias para eclodir. Juntas, essas características são muito importantes para a dispersão do mosquito e para a epidemiologia da dengue, uma vez que os ovos podem ser carregados para outras regiões pela ação humana e resistir até as chuvas do próximo verão, dificultando as ações de controle. Outra característica importante para a epidemiologia da dengue é que a fêmea do A. aegypti costuma depositar seus ovos em diferentes criadouros na mesma postura. O Culex coloca seus ovos diretamente na água, sempre todos juntos, no mesmo criadouro. Envolvendo cada um deles existe uma substancia viscosa que os prende uns aos outros, formando uma “jangada”, formada por dezenas de ovos de pé, grudados entre si, flutuando na superfície da água. Os ovos do Culex não possuem resistência à dessecação e murcham quando retirados da água, não sendo mais viáveis.
Quantos ovos estas espécies chegam a colocar, em cada postura?
A quantidade de ovos colocados pelos dois mosquitos depende muito da quantidade de sangue ingerido, que é necessário para a maturação dos ovos. Em geral, as duas espécies costumam colocar cerca de cem ovos por postura, mas esse número pode chegar a 150 ou 200.
Gustavo Rezende |
|
Os ovos do A. aegypti (esq.) possuem grande resistência à dessecação, podendo podendo permanecer fora da água por até um ano. Os ovos de Culex (dir.) murcham assim que são retirados da água |
O A. aegypti é o vetor da dengue, responsável pelos casos da doença que ocorrem no Brasil. O Culex também tem importância para a saúde pública?
O Culex não transmite o vírus da dengue. Porém, além do incômodo que gera para a população, em algumas regiões do Brasil ele é responsável pela transmissão da filariose e de algumas arboviroses. O Culex é o principal vetor da filariose, popularmente conhecida como elefantíase. A doença é causada por vermes nematóides, conhecidos como filárias, que se alojam nos vasos linfáticos do hospedeiro, podendo levar, na fase crônica, ao inchaço e aumento excessivo dos membros inferiores. A predileção do Culex por sangue humano e seu hábito noturno facilitam a transmissão da doença. À noite, quando o indivíduo infectado está em repouso, as filárias deslocam-se para os vasos periféricos, ficando mais próximas da superfície da pele, o que facilita a infecção do mosquito quando este se alimenta de seu sangue. Apesar da incidência da doença ter diminuído muito no Brasil nas últimas décadas, ela ainda representa um problema grave em algumas regiões do país. O Culex é capaz de transmitir outras arboviroses, em especial encefalites e febres hemorrágicas graves, como a causada pelo vírus Oropouche, que no Brasil já ocorreu no Pará e em Rondônia. Além disso, o acúmulo de água contaminada e a existência de valões e esgotos a céu aberto, criadouros preferenciais do Culex, são demonstrações da falta de infraestrutura de algumas regiões do país e podem ser relacionadas a outras importantes doenças que ameaçam a população.
: : voltar ao especial Dengue
: : Matéria anterior
: : Próxima matéria
Marcelo Garcia
04/03/09
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).
Instituto Oswaldo Cruz /IOC /FIOCRUZ - Av. Brasil, 4365 - Tel: (21) 2598-4220
| INTRANET IOC| EXPEDIENTE
Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP: 21040-360