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O desafio da transmissão da doença de Chagas por meios alternativos

Em 2006, o Brasil foi certificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) por ter controlado a transmissão pelo Triatoma infestans, espécie de triatomíneo, vetor da doença de Chagas, que havia se adaptado ao ambiente domiciliar de numerosos estados do país. Porém, a adaptação ao domicílio e a transmissão por outras espécies de barbeiros e mecanismos alternativos, como a transmissão congênita e a transmissão via oral pela ingestão de alimentos contaminados - que ocorre principalmente na Amazônia -, ainda colocam desafios para o combate à doença. Em 2008, cerca de cem casos foram notificados pelo Ministério da Saúde. A doença já registra ocorrências em países como Portugal e Espanha, onde não há presença do vetor e a transmissão ocorreu por via transfusional, a partir de doadores originários de países onde a protozoose é endêmica.

 Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC

 

 Pesquisador André Roque em laboratório montado na Amazônia durante visita de campo


O tema foi alvo de um estudo desenvolvido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) a partir da investigação de surtos causados por ingestão de alimento contaminado ocorridos no Pará, Ceará e Santa Catarina. Um dos pontos de partida para a atual linha de pesquisa foi a emergência da doença na Amazônia, onde não há domiciliação de triatomíneos e ainda há a necessidade de aperfeiçoar as ferramentas para vigilância epidemiológica.

Segundo a chefe do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC, Ana Maria Jansen, que coordena o estudo, a detecção da origem da transmissão da doença de Chagas na Amazônia é um grande desafio. “A Amazônia é um mosaico. Fatores como existência de variados reservatórios silvestres, a composição faunística e a perda da biodiversidade são decisivos para tornarem os ciclos de transmissão da doença complexos e temporais”, pontua. “Em condições naturais, o Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença, infecta mais de cem espécies de mamíferos de diferentes ordens. O parasito na natureza existe em diferentes populações de hospedeiros mamíferos, incluindo seres humanos, animais silvestres, animais domésticos e dezenas de espécies de triatomíneos  vetores”, explica a pesquisadora.
 

 Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC

 

  Integrantes do IOC acompanham visita do Programa Estadual de Qualidade do Açaí no Pará


“Desenvolvemos uma proposta para a utilização de animais peri-domicialiares como sentinelas no direcionamento de ações de vigilância nessas localidades. A presença do T. cruzi em porcos e cães pode funcionar como um alerta para intensificação de ações de vigilância em locais onde há maior risco de transmissão ao homem”, explica. O trabalho, que contou com a participação de todos os componentes do laboratório, foi premiado em 2008 na Reunião de Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas e Reunião de Pesquisa Aplicada em Leishmaniose, realizada em Minas Gerais. “Além da vigilância, ações de educação e a exploração sustentável do meio ambiente são fundamentais para o controle da doença na região Amazônica”, alerta a especialista.
 
Há um século, Carlos Chagas lançou um marco na história da medicina com a descoberta da doença que leva seu nome. Com o avanço das técnicas de investigação científica, no entanto, foi comprovada a existência da infecção muito antes da identificação da forma clássica de transmissão da doença. “O primeiro registro de infecção humana pelo T. cruzi foi encontrado em tecidos de múmias andinas com aproximadamente nove mil anos. No Brasil, por meio de testes moleculares, o DNA do T. cruzi foi detectado em tecidos mumificados de humanos com aproximadamente sete mil anos. Isso prova que o homem é infectado pelo parasito desde sua chegada às Américas. E não podemos afirmar que, naquele período, a transmissão ocorreu unicamente pela forma clássica”, sugere a pesquisadora, reforçando a importância da investigação dos meios alternativos de transmissão da doença.
 
Ingestão de alimentos contaminados provoca surtos em diferentes regiões do país


A transmissão da doença de Chagas por via oral, mediante a ingestão de alimentos contaminados, não é fato recente na epidemiologia da doença. Segundo André Roque, pesquisador que faz parte da equipe liderada por Ana Jansen no IOC, a primeira descrição deste tipo de transmissão no Brasil ocorreu há mais de três décadas, quando casos em humanos foram atribuídos, entre outras fontes, a contaminação de alimentos por fezes de insetos infectados e/ou material de glândula de cheiro de gambá.  “Quase três décadas se passaram até que novos casos de infecção contraídas desta forma fossem relatados. Nos últimos anos, esses focos se tornaram mais frequentes em diferentes localidades do país”, ressalta o pesquisador.
 
Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, foram notificados, entre janeiro de 2005 e agosto de 2007, 22 surtos de doença aguda em vários estados. Na maioria deles, ficou comprovada a associação da ocorrência de casos com o consumo de alimentos in natura, como caldo de cana, em Santa Catarina no ano de 2005 e na Bahia no ano de 2006; a bacaba (palmeira nativa da Amazônia), no Maranhão e no Pará em 2006; e especialmente o açaí, no Pará em 2006 e 2007 e no Amazonas em 2007. No total, somam-se 170 casos registrados e dez óbitos identificados.
 

 Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC

 

 Batedores de Açaí recebem orientações em programas educativos de prevenção contra o T. cruzi no Pará


A pesquisadora Ana Jansen destaca que a via oral representa, entre animais silvestres, uma das mais importantes formas de transmissão do Trypanosoma cruzi. “Na literatura científica encontramos trabalhos que comprovam a eficácia da transmissão pela ingestão de alimentos contaminados por pelo menos algumas subpopulações do parasita. Esta forma de transmissão aparentemente facilita a entrada do T. cruzi no organismo de mamíferos. A transmissão clássica, contaminativa, depende de que o parasita seja eliminado sobre o indivíduo, o que acontece após a defecação do inseto – consequência do repasto sanguíneo. A presença de vetores ou reservatórios infectados nas imediações das áreas de produção, manuseio ou utilização de alimentos contaminados, e a desinformação de como evitar a contaminação, são fatores de risco importantes para que ocorra a transmissão aos humanos”, finaliza Ana Jansen.

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Renata Fontoura

25/05/2009

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