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Diagnóstico preciso para a doença de Chagas

A técnica de PCR – sigla para Reação em Cadeia da Polimerase – é usada amplamente para o diagnóstico de uma série de infecções, uma vez que permite identificar, de forma exata, a presença do DNA do agente causador da doença em amostras de sangue do paciente. Há 20 anos, a doença de Chagas também pode ser diagnosticada por esta técnica, a partir de um protocolo desenvolvido de forma pioneira pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Além de permitir o diagnóstico exato da doença, a PCR também pode ser aplicada para monitorar a eficácia dos esquemas terapêuticos adotados no tratamento de pacientes. No entanto, ainda hoje não existe uma padronização internacional da técnica, o que dificulta o controle eficaz da doença. Por isso, o IOC investe no esforço para a padronização do método.

Foi durante seu doutoramento que a bióloga Constança Britto, atual chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, desenvolveu a padronização da PCR para diagnóstico da doença de Chagas crônica. Ela conta que desde a descoberta da doença por Carlos Chagas, em 1909, as técnicas de detecção do parasito Trypanosoma cruzi passaram por um processo de sofisticação, até chegar à PCR.

De picadas ao PCR
Em 1914, o pesquisador Brumpt desenvolveu a primeira modalidade de diagnóstico parasitológico eficiente, o xenodiagnóstico, que consistia na exposição do paciente com indícios de infecção às picadas do vetor da doença de Chagas, o barbeiro, para apurar a possível contaminação. Nesta técnica, insetos cultivados em laboratório, livres da infecção, sugavam o sangue do paciente por cerca de 20 a 30 minutos. Era a partir da análise dos barbeiros que se verificava a presença do T. cruzi. No laboratório, os insetos eram mantidos por até 90 dias – para permitir a multiplicação e evolução do parasito no vetor – e depois tinham o intestino dissecado para verificar a presença do T. cruzi.
O protocolo por xenodiagnóstico foi adotado inicialmente nas regiões endêmicas do Brasil, em viagens pelo interior do país. Foi padronizado em 1974, quando passou a ser sistematicamente utilizado para avaliação da parasitemia em humanos e animais suspeitos da infecção pelo T. cruzi - servindo de base para testes usados contemporaneamente, como o xenodiagnóstico artificial.  Nesta modalidade, a única diferença é que não há mais contato entre o vetor e o paciente: retira-se uma amostra de sangue do paciente e coloca-se em bolsa de látex (preservativos), com sistema de aquecimento externo que simula a temperatura do corpo humano, onde os barbeiros livres de infecção são postos para alimentarem-se.
A padronização da PCR para o diagnóstico da doença de Chagas foi um verdadeiro divisor de águas: o método tinha maior sensibilidade em relação às abordagens parasitológicas e garantia maior especificidade em relação aos testes sorológicos convencionais. A partir de 1995 o IOC começou a capacitar pesquisadores brasileiros e da América Latina para utilização da técnica. Desde então, laboratórios de diversos países passaram a desenvolver investigações semelhantes, utilizando os princípios básicos da plataforma qualitativa gerada no laboratório brasileiro.

O diagnóstico da doença de Chagas pode ser realizado a partir de diferentes estratégias, dependendo do estágio da infecção. Na fase aguda ou inicial, ocorre uma elevada parasitemia – ou seja: o parasito acaba de entrar no ambiente novo do hospedeiro vertebrado, que ainda não tem resposta imune contra o parasito, fazendo com que esse se reproduza em grande quantidade. Esta fase dura de 10 a 15 dias após a infecção inicial, podendo chegar no máximo a um mês. A fase crônica é subseqüente a este período, quando o indivíduo começa a desenvolver resposta imunológica contra os antígenos do T. cruzi, desencadeando uma redução brusca da parasitemia.

Na fase aguda, o diagnóstico pode ser feito por meio da análise em microscópio de amostras de sangue do paciente, uma vez que ocorre abundância de parasitos. A fase crônica demanda apurações por meio da sorologia e testes parasitológicos (xenodiagnóstico, hemocultura), os quais, apesar de suas especificidades possuem uma sensibilidade limitada em pacientes crônicos soropositivos e podem gerar resultados falso-negativos. Para assegurar os resultados dos procedimentos diagnósticos para doença de Chagas crônica, o Consenso Brasileiro em Doença de Chagas (1995) recomenda o uso de duas metodologias diferentes de sorologia (imunofluorescência e hemaglutinação) e, se houver discordância, sugere aplicação do teste confirmatório de ELISA.

Resultados demandam mais rigor
As limitações na sensibilidade e especificidade dos testes laboratoriais parasitológicos e sorológicos justificam a necessidade de implantação de um método mais sensível que monitore a presença do parasito e confirme a etiologia da doença. A metodologia molecular entra em ação nestes casos, para a confirmação dos diagnósticos, atuando como um complemento em casos de resultados sorológicos discordantes. A pesquisadora explica que a PCR é uma técnica bastante sensível, ideal para identificar a presença de escassos parasitos, por meio da detecção da presença de seu material genético, e para a quantificação da carga parasitária de um paciente. “Por ainda ser considerado um ensaio de recente aplicação na doença de Chagas, a técnica ainda não possui um protocolo padronizado internacionalmente, o que resulta na aplicação de diferentes metodologias por vários grupos e consequentemente em resultados diversos”, lamenta. Além disso, ensaios de PCR aplicados à doença de Chagas ainda não se encontram comercializados.

 Gutemberg Brito

 

 Etapa de fracionamento da PCR processada por Constança Britto no laboratório do IOC

A técnica pioneira do IOC tem desapertado interesse em diversos países da Europa e principalmente nos Estados Unidos, onde apesar de não haver a presença de vetores, a doença de Chagas tem avançado continuamente pela via da transfusão sanguínea. Estudos apontam que o parasito T. cruzi chega a estes países por meio de imigrantes clandestinos, provenientes de regiões endêmicas, que fazem doações de sangue em troca de vantagens financeiras. “Observamos uma mobilização internacional para o desenvolvimento de métodos diagnósticos e o monitoramento da eficácia de esquemas terapêuticos para a doença de Chagas por meio da aplicação da técnica PCR, que é adotada por laboratórios de todo o mundo. Definir um protocolo consensual para o uso do teste molecular é fundamental para o avanço das pesquisas e do conhecimento científico mundial na área”, reforça Constança.

Para a bióloga, a aplicação da PCR na rotina ambulatorial hospitalar e em bancos de sangue, auxiliando na triagem de doadores, com a finalidade de solucionar o problema dos resultados sorológicos falso-positivos e o conseqüente descarte de sangue não-contaminado, seriam formas de conter o avanço da doença de Chagas. Entretanto, o alto custo e a demanda de tecnologia de ponta ainda limitam esta realidade. Outra contribuição da PCR apontada por Constança é a potencialização no monitoramento da eficácia dos esquemas terapêuticos, visto que auxilia na precisão dos diagnósticos e com isso pode ajudar na formação de critérios para o controle da cura de pacientes.

Gutemberg Brito

 

 Termociclador para fracionamento de PCR

Em 2008, a pesquisadora coordenou um workshop sobre padronização e validação da tecnologia PCR, realizado no Instituto de Pesquisas em Engenharia Genética e Biologia Molecular da Argentina (INGEBI, na sigla em espanhol), em parceria com o IOC e instituições do Brasil, Argentina e Colômbia. O evento, promovido pela OMS e pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), reuniu pesquisadores que trabalham com a técnica de diagnóstico e monitoramento de esquemas terapêuticos da doença de Chagas para estabelecer um protocolo internacional unificado. O relatório do encontro será publicado ainda este ano, preservando parte significativa do trabalho desenvolvido por Constança na definição do protocolo universal de uso da PCR. O Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC já prepara um protocolo também para a PCR em Tempo Real, modalidade ainda mais sensível do método, para diagnosticar as diferentes linhagens do T. cruzi e possibilitar o monitoramento da parasitemia em pacientes submetidos aos regimes terapêuticos. “Após o amadurecimento deste estudo, o passo seguinte será submeter a técnica para avaliação da OMS e pleitear seu protocolo”, Constança finaliza.

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Pâmela Pinto

27/05/2009


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