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Leishmaniose ocular: novidades sobre doença silenciosa

A lesão ocular é uma das manifestações graves da leishmaniose. Pouco estudada em humanos ela é alvo de investigação científica no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Pesquisadores dos laboratórios de Biologia Estrutural e de Imunomodulação e Protozoologia do IOC criaram um modelo experimental inédito para estudar de que forma a doença, mais comumente relatada em cães, se desenvolve no homem. Os resultados indicam que, ao contrário do que se pensava, a infecção atinge não somente as pálpebras, mas também a parte interna do olho.

“Até agora, os estudos sobre casos humanos de leishmaniose ocular registravam o efeito da infecção sobre as pálpebras dos pacientes. Nosso trabalho buscou investigar a infecção do bulbo ocular pela Leishmania, incluindo as estruturas internas do órgão”, descreve a pesquisadora Katia Calabrese, do Laboratório de Imunomodulação e Protozoologia e coordenadora da pesquisa. A iniciativa une a pesquisa básica em parasitologia à clínica oftalmológica com o objetivo de facilitar a identificação de lesões oculares associadas à leishmaniose, permitindo um diagnóstico precoce e preciso, proporcionando assim um tratamento adequado.

Coordenador da pesquisa no Laboratório de Biologia Estrutural  do IOC, o parasitologista Roberto Tedesco explica que a definição de um modelo experimental foi determinante para o estudo da leishmaniose ocular humana. “O olho é um órgão delicado e o acesso às estruturas internas é difícil, limitando assim as intervenções cirúrgicas  necessárias para a pesquisa”, Tedesco reconhece. Ele acrescenta que o estabelecimento de um modelo adequado é fundamental para o avanço das pesquisas e deve funcionar como um espelho do organismo humano.

Modelo inédito inspirado em estudos de toxoplasmose

Os pesquisadores desenvolveram um modelo murino inédito, com autorização do Comitê de Ética no Uso de Animais da Fiocruz, para investigar a ocorrência da doença em camundongos de duas linhagens diferentes - uma suscetível e outra resistente à infecção por parasitos do gênero Leishmania, causadores das leishmanioses. Foram analisadas cerca de duas mil amostras de tecido ocular infectado pela Leishmania para um mapeamento detalhado do curso das lesões oculares. A iniciativa partiu da aplicação do modelo experimental para toxoplasmose ocular, implantado anteriormente por Tedesco.

Os animais foram infectados experimentalmente por duas cepas de Leishmania: a L. (L.) chagasi, que provoca a leishmaniose visceral, e a L. (L.) amazonensis, que causa a forma cutânea da doença. Os pesquisadores constataram que as duas cepas analisadas  têm comportamentos diferentes e sugerem que microambientes do olho podem favorecer uma ou outra linhagem do parasito. Enquanto a L. (L.) amazonensis atinge a região anterior dos olhos, que tem temperatura semelhante à da pele, a L. (L.) chagasi acomete o fundo do olho, que registra temperaturas mais elevadas, em torno dos 37 °C - como a parte interna do corpo humano.

 Fotorreceptores são afetados

 A utilização de microscópios de luz, eletrônico e confocal, permitiu a investigação da trajetória do parasito no globo ocular e a observação de  todas as regiões afetadas pelo patógeno. “O parasito mostrou-se capaz de atingir as estruturas internas do olho e chegar à retina, comprometendo o bom funcionamento dos tecidos e, consequentemente, a visão. A doença é de alta severidade e altera as estruturas do olho, incluindo a citoestrutura da retina, fundamental para o fenômeno da visão”, resume a especialista.

 Durante o estudo, os pesquisadores verificaram que ocorrem modificações nos fotorreceptores, que constituem uma das dez camadas da retina. Eles são responsáveis pela captação da luz e por sua transformação em sinais elétricos, a serem decodificados por neurônios – fenômeno conhecido como transdução. “Uma mudança estrutural nessa arquitetura, como as provocadas por uma infecção parasitária, interrompe a dinâmica de processos que resultam na visão, podendo provocar a cegueira”, conclui Tedesco.

 Paralelamente, um experimento in vitro com células do epitélio pigmentado da retina (ARPE-19) investigou a migração dessas células para o local infectado – evento já observado em experimentos anteriores realizados por Tedesco na toxoplasmose ocular. “Quando o globo ocular é infectado por um patógeno, essas células migram através da corrente sanguínea para o sítio de infecção no intuito de controlá-la. Sabemos que células epiteliais pigmentadas têm importante papel no processo inflamatório ocular, mas ainda não precisamos sua função exata”, reconhece.

 Ainda in vitro, os pesquisadores avaliaram a relação parasito-célula hospedeira e constataram que a Leishmania é capaz de infectar a ARPE-19. “Precisamos investigar mais profundamente os mecanismos envolvidos nesta infecção”, adianta Kátia.

 Os pesquisadores optaram por publicar os artigos que descrevem os resultados em uma revista da área de oftalmologia. “Esse trabalho é importante para alertar oftalmologistas clínicos sobre a possibilidade de lesões oculares causadas por infecções parasitárias – diagnóstico raramente considerado por médicos. Nossa expectativa é que, ao entrarem em contato com estudos como este, os médicos passem a considerar a leishmaniose como uma possibilidade no diagnóstico de inflamações oculares“, propõe os pesquisadores.

Bel Levy

30/06/09

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).

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