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Monitoramento ambiental para erradicar pólio

Desde o fim da década de 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) empreende um esforço global para a erradicação da poliomielite no mundo, numa estratégia baseada no uso eficaz da vacina oral. Apesar dos avanços obtidos, nos últimos anos a poliomielite – conhecida popularmente como paralisia infantil – voltou a ocorrer em países anteriormente declarados livres da doença. Estes casos estão relacionados à infecção por poliovírus selvagens e por poliovírus vacinais derivados da vacina em locais onde a cobertura de imunização é insatisfatória e/ou heterogênea. Para a pesquisadora Eliane Veiga da Costa, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a vigilância ambiental, integrada à pesquisa laboratorial, tem um papel importante na complementação ou suplementação da Vigilância Epidemiológica dos poliovírus e para o monitoramento de sua circulação do polivírus. A especialista apresentou palestra sobre o tema nesta quinta-feira, 06/05, no I Simpósio Latino Americano de Virologia Ambiental.


 Gutemberg Brito

 

Eliane apresentou um panorama das estratégias mundiais para erradicação da poliomielite e defendeu a importância da vacinação e da vigilância ambiental para o monitoramento da circulação do vírus  


Transmitido principalmente por contato fecal-oral, por meio de água e alimentos contaminados, e também pela via oral-oral, os poliovírus afetam o sistema nervoso central. Em 95% dos casos, não provocam sintomas, gerando infecções assintomáticas (situação em que a pessoa não adoece, mas transmite o vírus). Nos casos graves, entre 0,1 e 1% do total, podem causar Poliomielite (paralisia infantil) e até a morte, ocorrendo normalmente  em crianças mas que também podem ocorrer em adultos não vacinados.

Vacinas
A primeira vacina contra poliomielite,também chamada de Salk, foi criada na década de 1950. A vacina Sabin (VOP), de administração oral, foi criada nos anos 60. Em 1988, a OMS definiu a adoção de uma estratégia de erradicação da doença no mundo, baseada na vacinação em massa.  No início da década de 1990, mais de 90% dos países do mundo, inclusive o Brasil, utilizavam a Vacina Sabin capaz de proteger contra os três sorotipos dos poliovírus.  É uma vacina eficaz que tem sua segurança bem estabelecida, produzida com base em vírus atenuados. Ou seja: durante alguns dias, podendo chegar a algumas semanas, uma pequena quantidade de vírus atenuado é eliminada nas fezes pelos indivíduos imunizados.

Esses vírus atenuados ao coexistirem com as cepas selvagens reduzem a circulação das mesmas, favorecendo o controle da doença. Essa característica da vacina  Sabin foi considerada importante para o processo de erradicação. Indivíduos não vacinados,poderiam entrar em contato com a cepa vacinal excretada pelos individuos vacinados levando a uma vacinação “secundária”. Os Dias Nacionais de Vacinação, tiveram um papel importante em relação à disseminação da cepa vacinal em meio ambiente aumentado a imunidade de grupo. No Brasil, o último caso de poliomielite registrado aconteceu em 1989. No continente Americano, o último caso associado com o poliovirus selvagem, ocorreu em 1991, no Peru. Nosso continente foi o primeiro a receber da OMS, em 1994, o Certificado de Erradicação dos Poliovírus. Em 1999 foi registrado o último caso de poliovírus selvagem do tipo 2, no mundo.

Inesperado
Em 2000, embora o número de países em que os poliovírus selvagem ainda circulava de forma endêmica tivesse sido reduzido em mais de 80%, restando apenas 20, o mundo foi surpreendido com um surto causado por um poliovírus derivado da vacina (PVDV), explica a  pesquisadora do Laboratório de Enterovírus do IOC, referência regional da OMS para poliomielite no continente americano.

Estudos verificaram que locais em que se observa a baixa cobertura vacinal, há  possibilidade do poliovírus atenuado, originário da vacina, entrar em contato com indivíduos que não tomaram a vacina anteriormente, sofrer mutações e adquirir várias características muito mais semelhantes com as cepa selvagem do que com a cepa utilizada na vacina, entre elas a capacidade de causar paralisia”, explica.

A pesquisadora lembra que crianças imunodeprimidas ou que estejam em contato domiciliar com indivíduos imunodeficientes, devem procurar os Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais para que possam receber de forma gratuita a Vacina Salk (VIP).

Mutação
A especialista esclarece que a estratégia de erradicação traçada originalmente pelos organismos internacionais, baseada na imunização pela vacinação VOP, foi apoiada na concepção de que, caso ocorressem mutações dos poliovírus vacinais atenuados, sua transmissibilidade permaneceria baixa e ele logo desapareceria na população. “Esta hipótese foi desmentida em 2000, quando foi demonstrado que 21 casos de poliomielite, sendo 2 fatais, na Ilha Hispaniola foram causados pela circulação do poliovírus derivado da vacina tipo 1”, afirmou. Depois disso, mais de 20 surtos de vírus derivados de cepas vacinais foram registrados pelo mundo.

A cobertura vacinal continua sendo um problema em diversos contextos, o que ajuda a explicar a origem dessas mutações. “Caso sejam mantidas as taxas estabelecidas nacional e internacionalmente de coberturas vacinais em >95% de forma homogênea, a população estaria protegida tanto para a presença de PVDV como de cepas selvagens importadas”, argumentou. Hoje ainda existem quatro países em que a doença ainda é endêmica, com circulação de poliovírus selvagens: Paquistão, Afeganistão, Índia e Nigéria.

Revisão
Os dados sobre a ocorrência de casos em que foram isolados vírus derivados de vacinas (PVDV) levaram a OMS a revisar a estratégia de erradicação da doença e adiar o cumprimento da meta estabelecida previamente para 2000, principalmente em ações pós-erradicação. Além de promover a ampliação da cobertura vacinal contra a doença, a entidade também recomenda a vigilância epidemiológica associada à vigilância ambiental, para detectar a presença tanto de vírus selvagens como de vírus com algum nível de mutação de origem vacinal.
A pesquisadora ressaltou a importância da participação dos laboratórios de virologia ambiental nesse processo. “Para que a iniciativa se torne mais eficaz, é essencial integrar as atividades de vigilância e pesquisa laboratorial. Isso garante que os dados gerados a partir da epidemiologia e virologia estarão disponíveis e serão úteis como base para ação dos gestores do programa de imunização e outros responsáveis pela manutenção da condição de país livre da pólio”, defendeu.

Ambiente
Eliane defendeu que, como menos de 1% das pessoas infectadas pelo vírus desenvolvem o quadro clínico mais característico, que é de paralisia, o trabalho de vigilância se torna ainda mais importante. “Como a circulação é silenciosa, o registro de um caso significa que o vírus já está circulando entre a população”, explicou. Em alguns países, os poliovírus selvagens foram detectados no ambiente, apesar da ausência de casos notificados de Paralisia Flácida Aguda.
“É preciso que os laboratórios de virologia ambiental realizem a vigilância e o monitoramento das águas, assim como em esgoto também para a presença do poliovírus, mesmo em países que não apresentam mais casos, como o Brasil, uma vez que existe a possibilidade da identificação de cepas virulentas derivadas da vacina e de cepas selvagens importadas de países em que os poliovírus ainda circulam”, indica. 

Pólio
A poliomielite é uma doença muito antiga. As primeiras indicações claras sobre a doença são ilustrações que datam do Egito antigo, há mais de três mil anos. No início do século XX, ocorreu um grande surto da doença nos Estados Unidos, com cerca de 6 mil de óbitos registrados e 27 mil casos de crianças com quadros paralíticos. Só a cidade de Nova Iorque registrou dois mil óbitos e nove mil casos de crianças paralisadas. Em outra grande epidemia na década de 1950, só os Estados Unidos registraram cerca de 21 mil casos paralisia / ano.
Em 1988, a poliomielite era registrada em mais de 125 países, nos cinco continentes, e mais de 350 mil crianças estavam paralisadas por causa da doença. Nesse mesmo ano, a 41ª Assembléia Mundial da Saúde comprometeu os Estados-membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a erradicação global da poliomielite até 2000.

Duas vacinas foram licenciadas nas décadas de 1950 e 1960, e a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (GPEI) adotou a utilização de uma delas, a Sabin (VOP), como principal recurso para erradicação da doença.  Por meio do uso eficaz da VOP, o objetivo de erradicar os poliovírus selvagens quase foi conseguido. Durante as duas últimas décadas do século 20, a erradicação global da poliomielite pareceu ser uma meta realista – afinal, a transmissão da pólio foi interrompida nas Américas, Europa e no Oceano Pacífico Ocidental e o tipo 2 da doença fora erradicado globalmente. Hoje, apenas quatro países (Afeganistão, Paquistão, Índia e Nigéria) são considerados áreas endêmicas, mas a doença continua representando um desafio à saúde pública mundial.

06/05/2010

Marcelo Garcia

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).

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